domingo, 28 de março de 2010

1837) O sociólogo e o operário (28.1.2009)



Há uma foto muito publicada na imprensa, e até usada como capa de livro, tirada durante o tempo dos protestos contra a ditadura militar no fim dos anos 1970. A foto mostra dois caras, lado a lado, panfletando no centro de uma cidade. Um deles, de pulôver e com uma elegante cabeleira preta, é o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. O outro, atarracado, rosto redondo, barba igualmente preta, é o líder metalúrgico Luís Inácio da Silva, o Lula. Não sei a data da foto, mas pela cara dos dois imagino que FH nem sonhava em ser Senador da República, e Lula nem pensava em se tornar deputado federal. Nenhum dos dois, provavelmente, imaginaria a sério, naquele dia, que se tornaria Presidente da República – e que o colega ao lado também.

FH e Lula são duas figuras emblemáticas de todos os Brasis que poderiam ter sido e não foram. Lembro que numa das vezes em que se enfrentaram nas urnas eu dizia a amigos meus, decepcionados com as plataformas e os ideários de campanha de ambos: “Olha, nós aguentamos a ditadura, aguentamos Sarney, aguentamos Collor, aguentamos Itamar. Bem ou mal, ter o direito de escolher entre FH e Lula é uma bênção”. Porque todos estes cidadãos que os precederam na presidência eram políticos profissionais, fossem raposas velhas como Sarney e Itamar Franco, ou maracajás jovens como Fernando Collor. Eram gente do ramo, membros da irmandade sem nome, sem partido e sem ideologia que nos governa e nos dessangra há tantos séculos.

Aqueles dois, não. Um era sociólogo de esquerda, amadurecedor de utopias nas bancadas acadêmicas, grande esgrimidor de estatísticas e grande pesquisador da via-crucis latino-americana. Era filho das nossas melhores elites militares. Surgiu como rapaz-prodígio no mundo universitário no tempo em que a ditadura fez o que pôde para quebrar a espinha dorsal do pensamento crítico brasileiro. O outro era o contrário. Filho criado sem pai, migrante em pau-de-arara, operário, sindicalista. Chegou à presidência depois de um calvário de derrotas e perseguições. No Planalto, sentiu-se tão à vontade quanto Romário na grande área: ali ninguém o desarma.

Em homenagem a estes dois brasileiros, que não foram políticos profissionais de origem mas chegaram à presidência, sugiro que nossa próxima Constituição estabeleça um pré-requisito para governar o Brasil. Para se candidatar a presidente, qualquer brasileiro será obrigado a fazer o curso de Sociologia (graças a uma Bolsa de Estudos, pela qual ressarciria os cofres públicos depois de eleito), e a trabalhar durante quatro anos como torneiro mecânico, ganhando, morando e criando os filhos nesse nível de poder aquisitivo. O que faltou a FH foi ter sido pobre, nordestino, assalariado, comer de marmita; o que faltou a Lula foi não ter estudado, não ter sido obrigado a teorizar, não ter amargado um exílio no estrangeiro. Que presidentes teriam sido ambos (não custa nada sonhar) se os dois tivessem sido um só.

Um comentário:

Anônimo disse...

He-he, Parabéns pela erudição elevada deste texto! Parabéns pelos Teus sonhos dourados (de unir qualidades de dois políticos que Tu achas "não" profissionais). Estou visitando Teu Blog, por acaso, em busca daquela foto FHC+Lula) em maior resolução). Hoje é dia 27 de março de 2016, corre impeachment da Dilma, que nomeou Lula ministro, para atrapalhar sua prisão, país está em maior crise, a Lava Jato corre... (etc.) Sabes que Lava Jato tinha como início a máfia italiana e tráfico de cocaína financiado pelo Petrobras e descobriu aos poucos, que (hoje) uns 86% dos políticos brasileiros estão vinculados com este esquema gigantesco. Mas lembre que a última investigação grande assim, a Satiagraha terminou 100% em pizza e Protógenes Queiroz foi expulso de seu cargo, (graças a sabotagem da ABIN). Não, os Lula e FHC sempre eram políticos super-hiper profissionais e ladrões igualmente, se juntar qualidades dos dois, o Brasil já estaria vendido em parcelas e glebas até para os usanos, chinos e até marcianos. Faça uma avaliação menos romântica do mundo.