Dentro do misticismo cristão, há dois conjuntos de símbolos sagrados que sempre chamaram minha atenção pela sua aparente simetria, mas uma simetria que num segundo exame se mostrava imprecisa ou incompleta. Refiro-me aos dois triângulos formados pela Santíssima Trindade e pela Sagrada Família. Ambos sugerem o triângulo familiar básico (pai, mãe, filho), mas em ambos falta ou sobra um elemento. Por quê?
Vejamos a Santíssima Trindade: o Pai, o Filho e – no lugar da mãe – o Espírito Santo. Esta última entidade é para os não-cristãos a mais enigmática, a mais difícil de visualizar. No triângulo antropológico da família, ele é uma entidade misteriosa cuja função mais aparente é ocupar o lugar da mãe. Alguns analistas (especialmente da ala feminista) vêem nisso um sinal da impossibilidade da cultura judaica de colocar a mulher numa posição de destaque. Uma cultura patriarcal como a do Velho Testamento talvez ficasse pouco à vontade para definir Deus como “o Pai, a Mãe e o Filho”.
Comparada à Trindade, a Sagrada Família (Jesus, Maria e José) reproduz a estrutura real de uma família humana. Sua incompletude só se revela quando lembramos que, de acordo com os Evangelhos, coube a São José apenas o papel de pai adotivo de Cristo, sendo que a paternidade real é atribuída justamente ao Espírito Santo, emanação da Divindade.
Ao que parece, o Espírito Santo é uma metáfora para algo que a religião se sentia desconfortável em admitir: a relação fecundante que se dá entre o homem e a mulher. Se a Santíssima Trindade fosse composta por “o Pai, o Filho e a Mãe” isto implicaria na presença de uma relação sexual no cerne mesmo da Divindade. Isto foi evitado – talvez por preconceitos de ordem moral, talvez para evitar que a Trindade, uma entidade puramente espiritual, fosse contaminada pela sugestão de um processo reprodutivo típico dos seres de carne e osso.
No caso da Sagrada Família, o processo reprodutivo era indispensável, de vez que a intenção era fazer de Jesus Cristo um ser humano de origem divina mas de carne e osso. Desta vez, em vez de se suprimir a Mãe suprimiu-se o Pai, e mais uma vez suprimiu-se com isto a necessidade da relação sexual. O Espírito Santo encarregou-se da paternidade. Ele não está diretamente presente na Sagrada Família, mas está subentendido na figura de São José, pois cumpriu a função que teoricamente seria deste.
O Divino Espírito Santo é uma essência misteriosa cuja realidade é reconhecida e louvada pela cultura que produziu esses triângulos sagrados. É uma entidade que produz êxtase, iluminação, transcendência; que é capaz de iluminar as pessoas com um fogo sagrado e de fazê-las falar em línguas diferentes. Ele é a Esposa na Santíssima Trindade, e é o Marido na Sagrada Família. É a União Mística do homem e da mulher, o símbolo insolúvel mas evidente que conecta os triângulos do Espírito e da Matéria. Quem já o experimentou não precisa de provas de sua existência.
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