Era um ator maduro, bem-sucedido, cheio de prêmios e de admiradores. Dando entrevista num programa de TV, começou a rememorar seu início de carreira. “Nunca pensei que entraria para o teatro”, disse ele. “Mas quando eu tinha uns dezoito anos namorei com uma garota que era atriz de um grupo estudantil. Por causa dela, passei a frequentar os ensaios, e depois que a peça estreou eu ia todas as noites. Daí a pouco já era amigo de todo o grupo, inclusive o diretor. Um dia adoeceu um ator que fazia um papel pequeno, com duas ou três falas, e como eu tinha um tipo físico parecido, me pediram para substituí-lo por aquela noite. No outro dia o ator, que se chamava Oséas Martins, também não veio, e eu voltei a substituí-lo. E acabei fazendo o papel até o fim da temporada”.
Daí em diante ele foi pegando gosto pelo trabalho, e participou de outras peças. Entrou para um grupo profissional. Fez cursos, oficinas. Estudou teatro por conta própria, comprando livros e mais livros. Ganhou prêmios, Viajou pelo país. Participou de filmes, que o levaram, em imagem e em carne e osso, para outros continentes. Ficou famoso, rico, comprou uma mansão, casou e descasou várias vezes, teve meia-dúzia de filhos.
E ele encerrou o depoimento dizendo: “Mas olhe, ainda hoje, aos setenta anos de idade, eu tenho um receio. Sabe qual é? É que uma noite eu esteja na minha mansão no Morumbi, descansando, ou estudando o meu próximo papel, e a campainha toque. Um dos criados virá até meu escritório trazendo um rapazinho de dezoito anos, muito parecido comigo quando eu tinha essa idade. E esse rapaz me dirá: Eu sou Oséas Martins, e vim buscar tudo que é meu”.
Sartre, em As Palavras, tem um trecho muito divertido em que ele diz sentir-se, no Mundo, como um passageiro que está viajando de trem sem ter comprado bilhete, e temendo que a qualquer instante o condutor apareça para cobrá-lo. Todos nós temos, principalmente quando somos bem-sucedidos, essa sensação mista de culpa e de não-merecimento. No caso do ator, ele reconhece que todas as chances que teve e que aproveitou com mérito próprio resultaram de uma casualidade, do fato de um ator obscuro ter adoecido e abandonado uma peça. Claro que o que ele conseguiu na vida não era exatamente o que Oséas Martins conseguiria se tivesse prosseguido com o grupo. As situações, as opções, seriam todas diferentes. Mas ele reconhece, na sua angústia, que num momento decisivo entrou o fator sorte para colocá-lo no caminho certo, e isso enfraquece suas certezas.
Sartre livrou-se do condutor negando a religião. Afirmou que o trem, ou seja, o universo, não tem maquinista, não tem condutor, nada. O trem surgiu por acaso, não há nenhuma empresa emitindo bilhetes, e quem viaja ali não precisa ter cumprido nenhuma formalidade prévia. A existência precede a essência: a gente surge dentro do trem, e só depois é que as negociações começam, porque não existe estação nem bilheteria.
Daí em diante ele foi pegando gosto pelo trabalho, e participou de outras peças. Entrou para um grupo profissional. Fez cursos, oficinas. Estudou teatro por conta própria, comprando livros e mais livros. Ganhou prêmios, Viajou pelo país. Participou de filmes, que o levaram, em imagem e em carne e osso, para outros continentes. Ficou famoso, rico, comprou uma mansão, casou e descasou várias vezes, teve meia-dúzia de filhos.
E ele encerrou o depoimento dizendo: “Mas olhe, ainda hoje, aos setenta anos de idade, eu tenho um receio. Sabe qual é? É que uma noite eu esteja na minha mansão no Morumbi, descansando, ou estudando o meu próximo papel, e a campainha toque. Um dos criados virá até meu escritório trazendo um rapazinho de dezoito anos, muito parecido comigo quando eu tinha essa idade. E esse rapaz me dirá: Eu sou Oséas Martins, e vim buscar tudo que é meu”.
Sartre, em As Palavras, tem um trecho muito divertido em que ele diz sentir-se, no Mundo, como um passageiro que está viajando de trem sem ter comprado bilhete, e temendo que a qualquer instante o condutor apareça para cobrá-lo. Todos nós temos, principalmente quando somos bem-sucedidos, essa sensação mista de culpa e de não-merecimento. No caso do ator, ele reconhece que todas as chances que teve e que aproveitou com mérito próprio resultaram de uma casualidade, do fato de um ator obscuro ter adoecido e abandonado uma peça. Claro que o que ele conseguiu na vida não era exatamente o que Oséas Martins conseguiria se tivesse prosseguido com o grupo. As situações, as opções, seriam todas diferentes. Mas ele reconhece, na sua angústia, que num momento decisivo entrou o fator sorte para colocá-lo no caminho certo, e isso enfraquece suas certezas.
Sartre livrou-se do condutor negando a religião. Afirmou que o trem, ou seja, o universo, não tem maquinista, não tem condutor, nada. O trem surgiu por acaso, não há nenhuma empresa emitindo bilhetes, e quem viaja ali não precisa ter cumprido nenhuma formalidade prévia. A existência precede a essência: a gente surge dentro do trem, e só depois é que as negociações começam, porque não existe estação nem bilheteria.
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