segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

0693) O Oceano Mental (8.6.2005)




Há um conto de Greg Egan em que um grupo de astronautas embarca numa missão que deve levá-los além dos limites do Sistema Solar; é a primeira vez que uma tal viagem está se concretizando. Tudo vai bem, eles atravessam a órbita da Lua, seguem rumo a Marte, rumo aos planetas exteriores. 

De repente, coisas inexplicáveis começam a acontecer. Alguns astronautas desmaiam e ficam numa espécie de coma ou estado catatônico. Outros começam a perder a memória, ficam conscientes mas incapazes de pensar, de fixar sua atenção no que quer que seja. Um a um vão baqueando, até que a única alternativa é abortar a missão e regressar à Terra.

A resposta (que surge nas páginas finais do conto) é que essa missão demonstrou uma verdade inesperada: a consciência humana não é alguns bilhões de consciências individuais vivendo lado a lado, mas um único oceano pensante, dentro do qual cada um de nós tem direito a percepção diferenciada, devido aos órgãos dos sentidos, mas deve a maior parte de sua existência mental a esta enorme e invisível camada pensante em que nascemos e passamos a vida mergulhados. 

Mal comparando, é como um arquipélago no mar, onde as ilhas, vistas de longe, dão a impressão de serem porções soltas de terra, boiando na água, mas se olharmos por baixo veremos que ela são apenas os picos de uma cordilheira submersa. 

Ao se afastar da Terra, o ser humano perde esta parte submersa, fica restrito à conscienciazinha individual que bruxuleia em seu minúsculo cérebro. Daí para a extinção é um passo, do mesmo modo com uma brasa retirada da fogueira e colocada à distância logo se apaga.

Das inumeráveis metáforas produzidas pela ficção científica sobre o que é a nossa espécie, no Universo, poucas me parecem tão plausíveis quanto esta. Não tenho a menor prova concreta a respeito, mas intuitivamente pressinto uma verdade-verdadeira por trás deste fantasioso conto publicado numa revistinha mensal. 

Esta história tem pontos de contato com outras teorias, como a Teoria de Gaia, segundo a qual nosso planeta é um organismo vivo e uno, só que de uma espécie muito mais complexa que as espécies que conhecemos (animais e vegetais); também se liga à teoria do Inconsciente Coletivo, de Jung, segundo a qual nossa consciência individual tem por baixo de si imensas camadas ocultas de recordações armazenadas em nosso DNA ou coisa parecida.

A metáfora criada por Greg Egan nos ajuda a aceitar que só somos o que somos e só pensamos o que pensamos porque estamos mergulhados neste oceano mental, neste mar humano e invisível. É pela presença dele que nossa mente é ativada, e que conseguimos fazer sentido das coisas que vemos. 

Somos como um rádio que só reproduz o que capta, e se for levado para um lugar onde não cheguem as ondas das transmissões, ele ficará mudo. Ficção científica, “por suposto”, mas talvez seja esta a minha maneira de acreditar cientificamente na existência da alma.






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