segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

0691) A volta do “Catatau” (5.6.2005)



Já falei aqui no JPb (“O Catatau”, 17.8.2003) sobre este livro de Paulo Leminski, que teve duas edições em 1975 e 1989. A Travessa dos Editores, de Curitiba, lançou em 2004 uma terceira edição crítica e anotada, estabelecida pela Fundação Cultural de Curitiba, sob a supervisão de Décio Pignatari. Capa dura, papel branco, o livro traz até a página 269 o texto do assim-chamado romance, e daí até a 425 um respeitável pacote complementar: iconografia, índice onomástico, análise dos procedimentos neológicos, plano geral da obra, resumo biográfico e fortuna crítica do autor. É o lado bom da cultura acadêmica, coitada, a quem tanto vilipendio nesta coluna. Mas, é como dizia o próprio Leminski à página 26 da 1a. edição: “Comprou um tamanduá, recebe um tamanduísta para explicar-lhe o funcionamento”.

O bom de Leminski é sua salada de erudição e coloquialismo, irreverência hippie e abstração zen, e um pendor trocadilhista daqueles de confundir lacanianos: “Isso é presente que se apresente a um legítimo representante do daqui-pra-frente em nome do tudo-vai-diferente?” (p. 97) O “Catatau” não é um romance, daqui de onde o enxergo. É um monólogo poliglota, um Ur-texto, um plasma verbal primevo, ainda indiferenciado em gêneros, prévio ao Big Bang em que a Literatura se retalhou em rótulos. “Cai fora, Pai dos Burros, há carnaval aí que não previste nem preveniste!” (p. 193)

Um livro cheio de dificuldades e delícias, livro para poucos e felizes leitores, e que tem como pré-requisito o “caba” ser apaixonado pela arte da palavra. Como diz Pignatari no texto da orelha, “obras difíceis e intrigantes, em culturas progressivas e não apenas sucessivas, sempre acabam por atrair mentes perscrutadoras, que põem em causa os critérios vigentes de avaliação”. Ou, mais precisamente: “Muito comum isso de jogar um anel em alto mar e achá-lo dentro de um peixe pescado na véspera!” (p. 169). É um livro para quem já conhece o Leminski letrista, o Leminski poeta de Caprichos & Relaxos e outros livros, e que pode se imiscuir entre as linhas do Catatau sabendo que aquela amazônia toda foi plantada por um cara só. “De que vale fazer as coisas bem se ninguém está olhando?” (p. 39)

Leminski morreu aos 44 anos em 1989. Bebia pra caramba, fumava maconha, tocava violão, era um tumulto ambulante e divertido, embora carregasse encravado na vida um nódulo de tragédia. Sua biografia, escrita por Ademir Assunção, se intitula “O bandido que sabia latim”. Foi judoca, redator de TV, roqueiro, tradutor, concretista, publicitário. “Outra vida, que esta não está dando para o gasto!” (p. 82) A Travessa dos Editores fica à Rua Des. Hugo Simas, 107, Bom Retiro, Curitiba-PR, 80520-250, fone (41) 338-9994, websaite em: http://www.travessadoseditores.com.br/. Não sei o preço do livro, mas seja quanto for, tá barato. “Pergunta tão rica precisava ficar por aí mendigando respostas?” (p. 127)

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