Discute-se muito hoje em dia a possível decadência da literatura de cordel, que provavelmente terá conhecido seu auge, em termos de comercialização, entre as décadas de 1940-50.
Os trabalhos históricos sobre o cordel destacam as enormes tiragens da época, com folhetos cujas edições chegavam a centenas de milhares, talvez um milhão de cópias.
Em primeiro lugar, recomendo aos historiadores uma certa cautela. Cordelistas são notoriamente entusiásticos quando informam números desta natureza, principalmente quando avaliam tiragens feitas por eles mesmos. Não é que sejam mentirosos. É que têm um tendência a ver essas coisas de um modo um-tanto-ou-quanto poético.
O cara que diz que vendeu 100 mil folhetos é o mesmo que escreve versos do tipo: “Dei um murro na cara de Sansão / que acabei com a queixada do jumento”. Acautelai-vos!
Não há muitas condições de calcular hoje (ou mesmo na época) se o folheto sobre a morte de Getúlio vendeu ou não um milhão de exemplares. Mas mesmo deixando de lado esta questão estatística, não há como negar que os folhetos daquele tempo vendiam mais do que os de hoje.
Analistas apressados vêem nisso uma decadência do cordel, e anunciam a iminência de sua extinção. Será verdade? Não creio. Se analisarmos fenômenos de mercado em geral, veremos que é muito freqüente a ocorrência do que se chama de “bolha”: um enorme inchaço na produção e comercialização, que logo em seguida decai vertiginosamente. A produção atinge um “pico” e em seguida começa a cair.
Isto, no entanto, não significa “a morte do cordel”. Significa que o cordel, mesmo vendido a 1 real, se destina a pessoas que muitas vezes não têm um real sobrando. Rádio e TV o substituem em grande parte, sendo o cordel preferido apenas por aqueles que valorizam a “informação poética”, uma espécie de confirmação estética dos fatos que é um dos principais atrativos do cordel.
O cordel ultrapassou sua Idade de Ouro, que foi naquelas décadas, mas isto não significa que está morrendo. Para mim, significa apenas que minguou, retraiu-se, e está hoje em dia acomodado num nicho de mercado bem mais modesto, mas bastante estável.
Novos cordelistas aparecem. O interesse pelo cordel amplia-se entre a classe média. Novos recursos (computador, internet) vêm ajudar a preservar esta forma de literatura.
Porque quando falamos de cordel estamos falando de duas coisas:
1) os folhetinhos de 11x16 cm;
2) o Romanceiro Popular Nordestino que é publicado nestes folhetos.
Mesmo que os folhetos desapareçam um dia, o importante é que sobreviva o Romanceiro, os poemas, o lado literário do fenômeno, mais importante do que a sua feição gráfica.
Existe cordel eletrônico sendo publicado na Internet, cordel sem papel mas que é acessado e lido como se acessa e se lê um jornal ou um blog. É um cordel sem folheto, digamos: o Romanceiro descobrindo uma nova forma de se divulgar e de se manter vivo.
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