domingo, 27 de julho de 2008

0470) Shell Scott (21.9.2004)



Numa entrevista recente, o jornalista e escritor Nelson Motta, que acaba de lançar um romance policial, diz: “Quando comecei a me interessar por romances policiais, comprava livros estrelados por um certo Shell Scott, provavelmente escritos por um brasileiro. Esse tipo de literatura é gibi sem desenhos. Estou tentando devolver ao mundo a alegria que Shell Scott me deu.” Grande Nelson Motta! Morro de inveja, porque compartilhei desta alegria, e não devolvi nada ainda.

Shell Scott era leitura obrigatória lá em casa entre 1960 e 1965, quando as Edições de Ouro lançaram uns 20 ou 30 livros seus. E não eram escritos por um brasileiro. Richard Prather, o autor, era um californiano (nascido em 1921) que depois de servir na marinha mercante estreou na literatura em 1950 com The Case of the Vanishing Corpse. Seus livros com o detetive Shell Scott vendiam uma média de um milhão de exemplares nos anos 50. Na década de 1970 ele moveu um processo contra seus editores, por causa de royalties, abandonou a literatura e foi plantar abacates.

Shell Scott é um detetive com 1,90 de altura, bronzeado, com cabelo louro-quase-branco cortado à escovinha. Suas aventuras são uma girândola de situações improváveis e engraçadas, onde ele divide seu tempo comendo belas mulheres e perseguido bandidos. São uma caricatura bem humorada dos policiais “noir” de Dashiell Hammett ou Mickey Spillane. Prather trouxe para a fórmula tradicional do detetive “noir” doses enormes de humor e malícia (Shere Hite, do Relatório Hite, posou para a capa de um dos seus livros quando era modelo). A Loura no Divã Negro acontece num acampamento nudista, onde Scott passa por uma série de saias-justas (se bem me exprimo) ao circular entre todas aquelas beldades; no fim do livro, ele foge num balão e aterrissa, nu, num prédio no centro de Los Angeles. Em Ela tinha aquilo ele descobre que há uma fortuna escondida no ataúde de um mafioso que vai ser sepultado, toma o volante do carro fúnebre, e dá início a uma perseguição onde dezenas de carros “seguem o enterro” no meio do tiroteio. Em A Glamurosa Dra. Lyn , um retrato imensamente realista (acho eu) da Babel de micro-religiões que é a Califórnia, Scott se disfarça de Mestre do Povo da Lua para se infiltrar nos rituais de uma Seita mística; o desfecho é de um surrealismo digno de Terry Gillian ou dos irmãos Coen.

Os livros de Shell Scott são o equivalente literário a certas comédias policiais do cinema de hoje, estreladas por Steve Martin, Bill Murray ou Eddie Murphy. A violência (tiros, socos, perseguições) e o sexo (que é constante) são diluídos pelo humor. Estou dizendo isto tudo para tentar ampliar a ótima definição de Nelson Motta: “gibi sem desenhos”. Shell Scott pertence menos à literatura do que à tradição da comédia amalucada, que floresceu no teatro, no cinema, nos quadrinhos. Quem quiser julgá-lo comparando-o com Hemingway vai dar com a cara na porta.

2 comentários:

Unknown disse...

Caramba, Bráulio. Shell Scott era meu ídolo dos 12 aos 15 anos, aproximadamente. Li quase todos publicados pelas Edições de Ouro. É como você diz, mistério, sexo e humor. Não me esqueço de algumas cenas em que ele leva muita porrada, e acorda tentando se lembrar, dizendo coisas como: "sou Shell Scott, cabelos cortados à escovinha, terno de gabardine bege, algo avariado....".

Anônimo disse...

Que boas recordações! De fato, Shell Scott era tudo isso. Lembro-me de parte de um livro em que ele invade a sala onde haveria uma reunião de um bandidão barra pesada, e instala uma câmera de vídeo para filmar a reunião. A reunião era em um quarto de hotel, e ele ficaria em outro quarto, observando a gravação. Pois bem, Shell Scott foi flagrado no ato por um dos capangas do bandido. Só que era um cara meio idiotizado que, ao ver seu chefe na tela da TV, e questionar Shell Scott a respeito daquilo, ouviu do mesmo que seu chefe participava naquele momentos de um programa de TV,e que se tratava de uma competição na qual, se vencesse, ganharia uma metralhadora de ouro; se perdesse, seria fuzilado. E o capanga acreditou! Shell Scott era mesmo muito engraçado. Bom seria se alguma editora reeditasse seus livros.