Me lembro de uma frase de José Teles dizendo que um dia as
cinematecas ainda iriam fazer retrospectivas da pornochanchada. Já aconteceu,
claro. Cinemateca faz retrospectiva de qualquer coisa que, independente de sua
qualidade estética, tenha produzido uma influência cultural, tenha afetado
nossa maneira de ver a arte e o mundo, tenha trazido para a linha de frente
idéias e conceitos que andavam meio jururus, escondidos lá na rabeira da fila.
A British Library está realizando neste mês de março uma
exposição que marca os 40 anos do movimento punk na Inglaterra. O ano de 1976
foi escolhido como o do pontapé inicial do movimento, e este artigo no The
Guardian (http://tinyurl.com/zalkqrj)
dá um balanço no material exposto: filmes, discos, roupas, panfletos, filipetas
de show, fanzines, instrumentos, clips de rádio e TV. Andy Linehan, o curador
de música popular da biblioteca, explica que a instituição “sempre colecionou
tanto a cultura quanto a contracultura”, e que o punk, pelo impacto que
produziu nas artes e no comportamento, deixou um legado dos mais importantes.
“As pessoas veem o movimento como algo negativo e niilista,”
diz Linehan, “mas o punk foi algo positivo em vários aspectos. Ele assinalou,
por exemplo, o início da música independente.” A estética e a economia do DIY
(“Do It Yourself”, faça você mesmo) era uma tapa na cara do sistema de produção
capitalista onde é preciso ter muita grana para conseguir ganhar seu primeiro
centavo. O punk, com seus discos mal produzidos, seus shows ofensivos e caóticos,
suas roupas maltrapilhas, seus adereços chocantes, chutou o pau da barraca de
um sistema musical milionário. Ele
surgiu numa época onde o rock perdia a rebeldia original e transbordava em
efemérides babilônicas, operísticas, envolvendo megaprodução, orquestras,
limusines, aviões carregados de equipamentos e tietes.
Imagino que muitos punks
radicais se revoltarão contra essa “honraria”, assim como muitos poetas
marginais serão capazes de fazer piquetes ofensivos diante da Academia de
Letras no dia em que um ex-colega aceitar tomar posse. Acho que não importa.
Quando o sistema homenageia seus próprios contestadores, certamente tem a
intenção de com isto neutralizar sua virulência, ou pelo menos atenuá-la. O Sistema
sempre tentará digerir e assimilar – de que outro modo sobreviveria? – tudo que
o ameaça e que ele não pode simplesmente destruir. A repulsa inicial, o medo
inicial, o horror inicial irão sendo pouco a pouco substituídos pela aceitação
resignada do fato de que aquele animal selvagem resistiu a todas as tentativas
de extermínio, e que agora faz parte do mundo como o conhecemos.
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