quinta-feira, 17 de março de 2016

4077) Grandes Objetos Mudos (17.3.2016)



(Rama, de Arthur C. Clarke)

Peter Nicholls, crítico australiano que viveu no Reino Unidos por dezoito anos, é um dos editores de The Encyclopedia of Science Fiction, uma das obras de referência essenciais sobre FC (http://www.sf-encyclopedia.com/).  Na segunda edição da obra (1993) Nicholls, autor de grande parte dos verbetes temáticos, sugeriu como um dos temas notáveis da FC aquilo que ele chamou de Grandes Objetos Mudos, “Big Dumb Objects”. Em inglês há uma sutileza maior porque “dumb” tanto pode ser “mudo” como “estúpido”. São aquelas construções gigantescas que a Humanidade vai encontrando ao percorrer a galáxia.  Voltamos a lembrar deles há poucos meses, quando a astronomia constatou uma estrela que parecia ter sua luz periodicamente eclipsada, em parte, por algo que, visto assim, poderia ser uma gigantesca estrutura artificial em volta da estrela, como uma grade, imóvel ou não.

Vieram aos jornais Grandes Objetos Mudos como o Ringworld de Larry Niven (um anel-de-saturno artificial abrigando um mundo inteiro), a Orbitville de Bob Shaw (o mesmo conceito, só que em vez de um anel era uma esfera oca, tendo a estrela ao centro), e outros. É algo típico de uma FC “hard” como a de Arthur C. Clarke, Gregory Benford, Greg Bear, John Varley e outros autores capazes de descrever um mundo assim de modo acreditável. O termo preferido pelos críticos é “Macroestrutura”, até porque alguns desses grandes objetos artificiais não são nem mudos bem bobos (http://www.sf-encyclopedia.com/entry/macrostructures).

Nicholls vê nisso um resíduo poderoso do elemento Romântico (no sentido literário) numa literatura que, pela força da verossimilhança científica, tende a ir justamente para o lado oposto, o do Classicismo. Naquelas obras, a humanidade descobre maquinismos gigantescos que ela em geral não sabe para que servem nem como podem ser postos a funcionar. Em geral a aventura se encerra sem que esse mistério maior tenha sido respondido.

Para o crítico, isso revela um lado lunar, sombrio, misterioso da FC. Em princípio se pensa no gênero como apenas uma literatura triunfalista, racional, impecavelmente exata e escrupulosamente realista. Nicholls lembra que Brian Aldiss (Billion Year Spree, 1973) já lançava essa premissa, situando o começo da FC em 1818 com o Frankenstein de Mary Shelley, e dizendo que era uma literatura caracteristicamente moldada numa chave gótica ou pós-gótica. E Nicholls pergunta: “O que é mais gótico do que o movimento Romântico, que sempre se focou mais no mistério do que no conhecimento?”.  O Grande Objeto Mudo nos diz existir uma ciência que transcende a nossa, e nos avisa que jamais conseguiremos acessá-la.



Um comentário:

Laerte Andrade disse...

Embora a imagem lembre de fato "Rama" de Arthur C. Clarke, trata-se de uma pintura do toróide de Stanford, um projeto de colônia espacial proposto pela NASA em 1975.