domingo, 30 de novembro de 2014

3672) O enigma da Esfinge (30.11.2014)



Todo mundo conhece o enigma que a Esfinge da mitologia grega propunha aos viajantes: “Qual o animal que de manhã caminha com quatro patas, ao meio-dia com duas, e com três quando anoitece?”.  Somente Édipo resolveu a charada, dizendo: “É o homem, que engatinha quando criança, ou seja, no amanhecer da vida, depois anda com duas pernas quando adulto, e quando velho se apóia num bastão”. 

Os comentaristas dos textos clássicos observaram vários aspectos sutis dessa lenda.  Não sei se observaram que a aparência física da Esfinge (busto de mulher, asas de águia, corpo de leão, cauda de serpente) induzia os desafiantes a imaginar um “animal” igualmente extraordinário e híbrido, quando na verdade a resposta era bem simples – o animal era ele próprio, o Homem.  Isto pode servir de metáfora à literatura fantástica, que nos propõe enigmas bizarros que, bem examinados, têm sempre como resposta o Homem, o ser humano que escreve, publica e lê essas histórias.  Somos nós, humilde e gloriosamente, o princípio e o fim de toda literatura.

Um segundo aspecto é que o enigma é apresentado no contexto da história de Édipo, que é inteligente o bastante para decifrar a charada da Esfinge mas não a sua própria história.  Édipo (que, sem o saber, matou o pai e casou com a própria mãe) se vê diante de um problema (o misterioso indivíduo cujos pecados causaram a peste que assola Tebas) e quando finalmente resolve encará-lo descobre que a resposta é ele mesmo.  O homem é ele, ele é o homem que provocou aquilo tudo.

Eu arriscaria uma terceira interpretação, desta vez de caráter ciência-ficcional. O animal de quatro patas exprime, na manhã da História, a origem animal do ser humano, o fato de que, como os outros bichos, ele começou se arrastando de quatro sobre a Terra. Evoluiu, ganhou postura ereta, destacou-se entre os primatas. Tornou-se o que é.  E agora estamos entrando no terceiro estágio, o estágio da “terceira perna”, quando pela primeira vez surge, em nossa evolução biológica, a presença de próteses, de complementos artificiais, de partes mecânicas. O homem torna-se ciborgue, torna-se um híbrido entre o biológico e o mecânico (ou o eletrônico).  Édipo, o Édipo de Sófocles, poderia dizer: “Em seu terceiro estágio, o homem terá o apoio de tecnologias artificiais extra-corpo, com as quais nunca tinha contado, mas esse elemento estranho à sua natureza biológica virá para ficar. Sem ele, o homem não conseguirá mais caminhar sozinho; sem ele, será incapaz de viver, e apesar de num primeiro momento julgar-se superior ao que fora ao meio-dia, a presença dessa muleta comprova apenas que ele está vivendo seu estágio final”.




Um comentário:

Luiz disse...

Uau, caro Braulio, faça disso um prólogo e escreva o seu clássico de ficção científica!