sexta-feira, 30 de maio de 2014

3512) De Bandeira para Rosa (30.5.2014)



O primeiro grande spoiler da minha vida literária foi num texto que hoje reencontrei meio por acaso. Para quem não sabe, spoiler é aquela revelação indesejada que estraga o prazer de uma narrativa: “O assassino é o Doutor Fulano.” Na arte da narrativa, contudo, existem surpresas, segredos e mistérios de toda natureza.  Eu via desde menino na estante da minha casa o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa, que já tinha folheado por curiosidade, mas considerei impenetrável. Sagarana eu consegui ler alguma coisa antes dos doze anos; mas aquele ali era proibitivo. Eu tinha apenas uma vaga noção da história e dos personagens.

Anos depois, li num jornal ou revista esta resenha/carta de Manuel Bandeira, de março de 1957, endereçada a Guimarães Rosa, e exprimindo as primeiras emoções de Bandeira diante da leitura do livro.  Como é inevitável, Bandeira se dirige ao autor meio que adotando a voz narrativa de Riobaldo, uma contaminação inevitável a qualquer leitor bom de verbo que tenha acabado de receber aquele choque monumental de palavreado de alta voltagem. (Aqui, a carta inteira: http://tinyurl.com/otpawfr).

E a certa altura Bandeira dizia: “E o caso de Diadorim, seria mesmo possível? Você é dos gerais, você é que sabe. Mas eu tive a minha decepção quando se descobriu que Diadorim era mulher. ‘Honni soit qui mal y pense’, eu preferia Diadorim homem até o fim. Como você disfarçou bem! nunca que maldei nada.” 

Eu li isso, ergui os olhos da página para a parede em branco.  Então o tal do jagunço Diadorim, brabo e feroz, que eu já vira aparecer no texto, era uma Joana d’Arc!  Uma donzela guerreira!  Como na época eu não tinha a menor intenção de ler o livro, dei de ombros e fui em frente.

E chego ao ponto. É aconselhável ficar discutindo esses segredos em público?  Todo dia nascem pessoas, Brasil afora, que ainda não sabem o segredo de Diadorim. Alguns milhares lerão o livro de Rosa daqui a 20 ou 30 anos. Até então, o segredo será mantido?  Para uma geração mais jovem do que a minha, Diadorim é Bruna Lombardi, ou seja, tchau segredo.  Quando li aquelas terríveis sessenta páginas derradeiras do romance, ao longo daquelas fugas, dos cercos, dos confrontos, da batalha apocalíptica, a coisa que menos importava ali era o sexo dos anjos.  Rosa deve ter pressentido que o segredo da sua Donzela Guerreira iria se esvaindo à medida que o livro se tornasse famoso, como ele devia ter certeza que iria ocorrer.  Mas o segredo, que numa literatura menor seria A Grande Revelação, acaba se minimizando, porque num grande livro há grandes revelações em cada parágrafo, em cada linha.

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