quinta-feira, 20 de março de 2014

3451) "Trapaça" (20.3.2014)



(Amy Adams, Jennifer Lawrence, Amy Adams)

American Hustle (David O. Russell, 2013) é um desses filmes de golpe-sobre-golpe, em que dois ou mais grupos de criminosos (policiais, espertalhões, mafiosos, etc.) se misturam e cada pessoa começa a representar um papel duplo, e às vezes triplo, para que a cilada tenha sucesso, uma cilada que o espectador está e não está sempre a um passo de compreender por completo.  Feliz o filme que deixa nesse espectador a sensação de que o conseguiu.

Um golpista que deixa tão evidente sua tentativa de disfarçar a careca e a barriga que todo mundo se esquece de verificar seus dados. Uma inglesa que só falta dizer que é de London, Texas.  Um agente federal cheirado de pó até a raiz dos cabelos, trincado como uma explosão num cofre-forte, bolando esquemas rocambolescos para enjaular políticos corruptos usando vigaristas-em-xeque como isca. Uma loura burra que, a golpes de lourice e esperteza consegue acabar o mundo e melhorar de vida.

A história é em cima dos dois casais principais; entre os coadjuvantes estão Robert DeNiro e Jeremy Renner (de The Hurt Locker). Existem alguns filmes de golpe (de assalto a banco, p. ex.) onde o enredo é complicado como um mecanismo de relógio, e os personagens ficam parecendo robôs que entram, batem as horas e se afastam. Este aqui pertence talvez a um subgênero onde a história inteira (o golpe, a verossimilhança que o conto-do-vigário precisa ter aos olhos da vítima) depende de um mundo de pequenos detalhes, mas os personagens, em vez de recitarem os papéis direitinho, extrapolam, têm crises, arrependem-se, mudam de idéia ou têm uma idéia melhor em cima da hora, e isso joga o roteiro para o alto, em parafuso.

Outra coisa. O filme se passa em 1978, tem ambientação e figurinos ótimos de época, trilha sonora inevitavelmente pra-quebrar-tudo. Os seios das atrizes principais, Amy Adams e Jennifer Lawrence, são a cara daquele tempo pré-silicone, pré-Photoshop.  Mulheres daquela faixa não usavam soutien, tinham os peitos caídos, mostravam-nos sem mimimi e achavam-se lindíssimas. As duas fazem isso com brilhantismo. No mundo de hoje, regido por “personal musculators”,  peito caído é pior que passaporte vencido. Vivam os anos 1970, em que o culto ao corpo ainda não tinha arrastado todas as mulheres do mundo para uma Esparta regida por publicitários e fotoshopeiros. Neste filme, os figurinos das duas atrizes foram (aos meus olhos leigos, porém atentos) uma viagem em flash-back por aquela época, que cortejou o artificialismo mas teve uma surpreendente vitalidade. Um tempo em que as mulheres se expressavam mais dançando do que posando para retratos.



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