sábado, 5 de fevereiro de 2011

2472) Os polícias e os bandidos (5.2.2011)




O romance O Homem Duplo (“A Scanner Darkly”) de Philip K. Dick conta a história de Fred, um agente da polícia de Los Angeles, encarregado de vigiar um tal de Bob, dono de uma casa cheia de malucos que passam o dia tomando drogas alucinatórias. 

As drogas são tão pesadas que Bob não sabe que ele e Fred são a mesma pessoa. Toda vez que sai de casa, ele vai à polícia, veste uma roupa de camuflagem eletrônica (que projeta imagens falsas de seu rosto e de seu corpo) e volta àquele quarteirão, desta vez na pele do Agente Fred, para vigiar a própria casa onde mora – só que ele não sabe disso, porque agora é Fred, e pensa que Bob é outra pessoa.

O dilema esquizofrênico entre o Bem e o Mal, a Lei e o Crime, o Sistema e a Revolução, etc., é um subtema constante na literatura do nosso tempo, porque sabemos que não faz muita diferença pertencer a um ou a outra. 

Lembro de um conto de pacto-com-o-Diabo: um sujeito recebe de noite a visita de Lúcifer, que lhe oferece a vida eterna em troca de sua alma. O sujeito, que nunca tinha ligado a mínima para religião, se apavora, manda o Diabo pro inferno e corre até a igreja mais próxima para se aconselhar. 

O padre ouve a história dele e propõe batizá-lo e dar-lhe a comunhão. “Para que?”, pergunta ele. “Ora,” diz o padre, “porque, desse modo, quando você morrer sua alma vai para o Céu e viverá lá eternamente, junto de Deus”. O cara protesta: “Muito bonito! Então todos dois estão me propondo o mesmo negócio?!”

Sim. O Bem e o Mal, a Lei e o Crime, etc etc., são a mão direita e a mão esquerda do charlatão cósmico que nos propõe um só negócio: ser o nosso dono. 

Quem leu o 1984 de Orwell deve lembrar que o protagonista, Winston, é recrutado para agir numa célula subversiva coordenada por um tal de O’Brien. Quando ele se entrega totalmente a essa atividade libertária, fica sabendo que O’Brien era um agente do governo cuja função era atrair gente insatisfeita para falsas células subversivas, e prendê-los todos de uma vez só.

Não é muito diferente da situação básica de outro clássico do humor negro britânico, O Homem que era Quinta-Feira de G. K. Chesterton, em que o personagem é um policial disfarçado que se filia a uma organização subversiva, com a intenção de desmascarar e prender todos os participantes, e com o passar do tempo começa a perceber que todos os outros são policiais infiltrados, como ele. Nenhum é subversivo.

Chesterton publicou esse livro em 1908. Nessa mesma época, segundo Marshall Berman (Tudo que é Sólido Desmancha no Ar) havia na Rússia grupos terroristas que eram, sem o saber, controlados pelo Ministério do Interior. O chefe de um desses bandos, Evni Azev, acabou coordenando o assassinato do seu próprio empregador, o Ministro do Interior, Viacheslav von Plehve. 

Chesterton, Dick e Orwell não eram profetas nem visionários. Eram apenas sujeitos que conheciam a tendência do Charlatão Cósmico para o humor negro.






Um comentário:

Diego Guzzi Felix da Silva disse...

E isto me lembra um episodio do Agente 86 em que o Max tem que convecer um grupo da Kaos que ele esta viciado no jogo e na bebida, e apos as confusões descobre-se que os menbros dessa organização são agentes duplos de varias organizações de espionazem dos EUA e que no final os verdadeiros membros estão mortos. E sabe, a espionagem é um troço tão estranho e confuso que pressionados por resultados acabam mentindos ou aumentando o que era algo inutil, como no Alfaiate do Panamá.