domingo, 16 de maio de 2010

2047) O respeito ou o afeto (30.9.2009)




Eu estava passando um fim-de-semana na casa de praia de uns amigos, anos atrás. Aliás, éramos eu e a torcida do Flamengo, porque tinha gente dormindo até na sala, e o almoço era em duas rodadas, cada qual com a mesa toda ocupada. 

A filha dos donos da casa, que teria uns 15 anos, tinha um jogo de xadrez bem bonitinho e chamava todo mundo para jogar. Joguei uma partida com ela no terraço, meio distraído, enquanto o pessoal tocava violão perto. Eu jogava, cantava um pouco, tomava cerveja... Levei xeque-mate, e a menina ficou super-orgulhosa. 

Cedi meu lugar a outro amigo, digamos que se chama Beto. Ele sentou-se, arrumou as peças, e mal começou a partida partiu pra cima “como a vaca partiu pra mestre Alfredo”. Massacrou o exército adversário e deu xeque-mate em cinco minutos. A menina recolheu as peças e recolheu-se, melancólica, para dentro de casa. 

Falei com Beto: “Devia ter deixado ela ganhar, como eu deixei.” (Mentira: se desse pra ganhar, eu tinha ganho.) Ele perguntou: “Pra quê deixar ganhar?” Eu: “Ela ficaria gostando de você.” Beto: “Eu não quero que ninguém goste de mim. Eu quero é que me respeitem”.

Esse dialogozinho de auto-ajuda ficou durante anos caraminholando no meu juízo, porque parecia uma conta de dividir com números primos, não fechava nunca um resultado definitivo. Tudo nessas frases é altamente questionável. 

Primeiro, a minha mentirazinha inofensiva. 

Segundo: a gente fica gostando de alguém a quem derrota num jogo? 

Terceiro: ser derrotado num jogo é a melhor maneira de ser gostado por alguém? (Se fosse, o Campinense seria o time mais querido do Brasil.) 

Quarto: quando a gente arrasa alguém num jogo, fica sendo respeitado? 

Quinto: o que é melhor, ganhar o afeto dos outros, ou ganhar-lhes o respeito? Sexto: uma coisa exclui a outra?

Desse mini-episódio me ficou a impressão de que eu era um deficiente afetivo. Facilitava a vitória de uma garota, num jogo bobo, apenas para que ela saísse dali pensando que eu era “um cara legal”, não por qualquer virtude visível em minha pessoa, mas porque eu entrara, como-Pilatos-no-Credo, num pequeno episódio de afirmação pessoal lá dela. 

E eu não “era legal”, na verdade; apenas quando alguém falasse um dia em mim ela se lembraria de um episódio “legal” que tinha vivido, derrotar um adulto num jogo. E eu era tão carente de “ser legal para os outros” que uma idiotice desse tipo era contabilizada como lucro em meu livro-caixa.

Por outro lado... E Beto, era carente do quê? Carente de respeito, como ele próprio deixou claro. Preferia ser temido a ser amado. Talvez sua truculência tivesse um aspecto positivo: eu podia ser tomado como hipócrita, ele não. Com ele, era pão-pão, queijo-queijo. Não estava ali a fim de representar, de ser bonzinho com ninguém. 

Queria respeito, exigia respeito, precisava desesperadamente de respeito, como um náufrago à deriva precisa de água potável, de preferência gelada, de preferência água-de-coco.






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