sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

1397) Adeus às armas (5.9.2007)



Tenho aqui nas minhas anotações duas notícias que li no “Globo” do dia 7 de agosto passado. Na página 30, na seção Internacional, lê-se: “110 mil fuzis AK-47 e 80 mil pistolas foram perdidos pelos americanos no Iraque nos anos de 2004 e 2005. O Pentágono reconheceu que não sabe o que aconteceu com 30% de todas as armas que os EUA distribuíram para forças iraquianas de 2004 até o começo deste ano”. Notem que estamos nos referindo ao Departamento de Defesa do país mais rico e teoricamente mais bem aparelhado do mundo.

Isto deve nos consolar um pouco do que sentimos ao ler na coluna de Luiz Garcia, à página 7 do mesmo exemplar: “Em 15 anos 1.539 armas da PM do Rio acabaram nas mãos de bandidos. Outras 928, quase todas pistolas Taurus, de fabricação nacional, foram vendidas individualmente a policiais, e também acabaram indo dormir na casa do inimigo”.

É auto-sugestão minha, ou existe uma simetria perversa entre estes dois fatos, além de um cruel simbolismo cósmico-freudiano? Os americanos não conseguem fazer com que os iraquianos se matem uns aos outros em benefício dos EUA. Eles se matam pelas rivalidades étnicas e religiosas que alimentam há séculos; mas a verdade é que vai ser muito difícil fazer com que matem quem os americanos determinam.

A mesma coisa é a guerra dos morros cariocas. Por um lado, alguns PMs não vêem motivo para matar sujeitos que são da mesma cor e da mesma origem social que eles para proteger os interesses dos “bacanas” que vivem nas coberturas de luxo. Por outro lado, veja-se a quantidade de armas surrupiadas dos quartéis para o tráfico, e a quantidade de espiões que o tráfico manda se alistar na PM ou no Exército para facilitar o acesso a armas, munições, informações, know-how. É uma guerra difícil, porque grande parte da força de repressão é recrutada exatamente nas mesmas favelas, nos mesmos bairros populares, nos mesmos conjuntos habitacionais onde fervilha o crime. Existem amizades, existe convivência, existem cumplicidades formais ou informais, e cedo ou tarde o sujeito fardado “se faz de doido” e beneficia outro sujeito que teoricamente é seu inimigo, mas que na prática é seu vizinho de bairro ou conhecido de botequim.

Certas guerras já estão perdidas antes mesmo de ser disparado o primeiro tiro, antes mesmo do primeiro soldado levantar do beliche e enfiar o uniforme. Estão perdidas; não porque o inimigo seja em número superior ou tenha armamento de melhor qualidade, não porque o Acaso ou o Destino tenham determinado algo de antemão. Estão perdidas porque são guerras que nunca deveriam ter começado. São situações em que, diante de um problema, alguém recorre à guerra sem perceber que ela será apenas a radicalização irremediável do problema. Como dizia Jorge de Lima, “há as naus que não chegam, mesmo sem ter naufragado; não porque nunca tivessem quem as guiasse no mar (...) mas simplesmente porque já estavam podres no tronco da árvore de que as tiraram”.

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