Quando começa uma novela na TV, eu dou uma espiada no primeiro capítulo para reencontrá-los. E de vez em quando eles voltam.
O Milionário de Bom Coração. A Jovenzinha Mimada. A Vizinha Fofoqueira. O Gigolô Sem Escrúpulos. O Casal Maduro em Crise. O Ex-Delinqüente Em Busca de Uma Chance. O Burocrata Inflexível. O Biscateiro Boa-Praça. E assim por diante.
É típico da cultura-de-massas que certos personagens tenham uma dimensão apenas, uma característica, uma fórmula simples que os define logo nas primeiras cenas em que aparecem, e que continuará a defini-los até o final.
Um sujeito que é descrito logo no começo como o Conquistador Inveterado vai ter daí em diante a obrigação de olhar as pernas de toda mulher que passa, fazer fi-fiu, pedir telefone do cachorrinho, sussurrar no cangote da empregada.
Não haverá nenhuma cena em que ele não seja obrigado a repetir esse conjunto de gestos, para que o espectador não esqueça: está diante de um Conquistador Inveterado. Ele pode ser bombeiro, advogado, surfista ou jogador de futebol, e sua profissão ficará ausente ou subentendida em muitas cenas; mas não o fato de que sua função na história é ser um Conquistador Inveterado. Ou um Marido Banana. Ou um Velho Ranzinza.
Existem dois tipos de espectadores de novelas: o que vê todo dia, e o que vê de vez em quando. Este último costuma perder de vista os personagens, que sempre são muitos, e é bem possível que com a novela há dois ou três meses no ar ele ainda não reconheça todo mundo.
Isto (creio eu) explica o fato de que as pessoas de uma mesma família se chamem tanto pelos nomes: “Mas Ludmilla, vocês não vão marcar esse casamento nunca?” “Ora, Vanessa, estou esperando Jaime se formar”. É preciso martelar na memória do público distraído que esta aqui é Vanessa, a outra é Ludmila.
O mesmo se aplica às características psicológicas de um personagem. Se Fulana de Tal está caracterizada como sendo a Solteirona Azeda e Repressora, não faz muito sentido mostrá-la numa cena doce, encorajando a sobrinha a namorar com o padeiro. Porque “contradiz o personagem”.
Personagens podem ter mais de uma dimensão. Fulano é um Burocrata Inflexível, que só pensa no trabalho? Mas ele pode ser também o único sujeito ético da empresa onde trabalha, qualidade positiva que o torna um personagem mais complexo.
E pode ser além disso um sujeito que tem um hobby meio juvenil, o que o torna simpático por outro lado. E pode ser um cara apaixonado em vão por uma mulher, o que lhe dá uma aura de romantismo e sofrimento. Nada disto contradiz sua “definição”.
São características que apontam em direções diferentes. Isto enriquece o personagem, porque sabemos intuitivamente que as pessoas de verdade são assim. Mas sutilezas assim só podem ser percebidas e assimiladas por quem se aprofunda na obra; no caso da novela, por quem vê todo dia. Será o medo de perder o público flutuante que impede a novela de ir mais longe?
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