segunda-feira, 23 de março de 2009

0908) A patáfora (12.2.2006)


(Ilustração: Jerry Uelsmann)

A patáfora é um interessante conceito literário inventado pelo escritor Pablo López, ou Paul Avion. Ela é uma consequência direta do conceito de ‘Patafísica, criado no século 19 por Alfred Jarry, autor do famoso Ubu Rei. A ‘Patafísica (escreve-se assim mesmo, com um apóstrofo antes do P) é descrita como “a ciência das soluções imaginárias”, ou como “a ciência que lida com as exceções, e não com as regras”. Não é uma ciência, claro: é um movimento literário de cunho absurdista, onde se misturam surrealismo, humor, subversão do cientificismo e do racionalismo, sátira ao pedantismo e à pompa do Saber oficial. Ver: http://www.pataphysics-lab.com/sarcophaga/.

A patáfora é um prolongamento da metáfora, que é um dos mais simples e mais utilizados recursos literários. A metáfora é simplesmente uma comparação entre duas coisas na qual em vez de dizermos que A parece com B dizemos que A é B. “Tua boca é uma fruta madura”, “o Brasil de hoje é um verdadeiro cassino”, “minha vizinha é uma bruxa”, “esse carro é uma lata velha”... Já a patáfora seria uma figura literária mais complexa, que ocorre quando o autor toma a metáfora como algo real e passa a trabalhar dentro dessa nova realidade.

Eis uma comparação: “Os olhos de João estavam vermelhos como duas poças de sangue” (uma mera associação de idéias por semelhança). Metáfora: “Os olhos de João eram duas poças de sangue” (o leitor entende que foi feita uma comparação, e que a frase não deve ser tomada ao pé da letra). Patáfora: “Os olhos de João eram duas poças de sangue. Testes de laboratório mostraram que a primeira era do tipo AB positivo, e a segunda A negativo, o que levou o Comissário a supor que se tratava dos sangues da vítima e do assassino”. Ou seja: a patáfora parte da leitura literal de uma metáfora, e constrói sobre esta leitura todo um outro nível descritivo, ou narrativo.

A partir do momento em que patáfora se inicia, o universo onde vinha ocorrendo a história deixa de existir. A metáfora foi uma ruptura simbólica com esse universo, e a patáfora consiste em levar essa ruptura a sério, até as últimas conseqüências. Nas palavra de Pablo López, “é um processo que ocorre quando o rabo de um lagarto cresce tanto que se separa dele e cria um novo lagarto em sua ponta”.

O mais interessante da patáfora é o modo como López diagnostica certas teorias científicas (como a “teoria dos cordões” da física contemporânea) como legítimas patáforas. São teorias construídas em cima de teorias, que por sua vez tinham como ponto de partida outras teorias... A cada nova formulação destas, estamos um passo mais longe da realidade física. São metáforas que se sucedem umas às outras, e de repente alguém propõe uma patáfora que vai muitíssimo mais além, mas que não faz mais do que assumir a realidade do que vinha sendo proposto. A patáfora revela, mais do que um recurso literário, um mecanismo intuitivo e metalinguístico da produção cultural na arte, na ciência, em tudo.

Um comentário:

Fernando Gusmao disse...

Meu conto Patáfora foi publicado pela revista Será? com o nome de Ypólita. Pode ser lido em:

https://revistasera.info/author/fernandogusmao/?ssp=1&darkschemeovr=1&setlang=pt-BR&safesearch=moderate