A “American Society of Magazine Editors” escolheu recentemente as 40 melhores capas de revistas norte-americanas dos últimos 40 anos. Uma tarefa de maluco, por certo, quando se pensa na gigantesca quantidade de material que esses caras tiveram de examinar para fazer um julgamento minimamente justo. Os resultados estão no respectivo saite, em: http://www.magazine.org/Press_Room/MPA_Press_Releases/13732.cfm.
A capa que ficou em primeiro lugar tem um gosto doce-amargo para os fãs dos Beatles. É a famosa capa da revista Rolling Stone de janeiro de 1981, logo após a morte de John Lennon, e mostra a comovente imagem de Yoko Ono toda vestida de preto, niponicamente impassível, deitada na cama, e Lennon totalmente nu (embora com o corpo numa posição discreta), deitado sobre ela, abraçando-a e beijando-a no rosto. A foto foi feita no apartamento dos dois no Edifício Dakota, para a matéria de capa da Rolling Stone, e está entre as últimas de John, porque poucos dias depois, em 8 de dezembro de 1980, ele foi assassinado.
É uma foto impressionante porque dá uma idéia muito clara de quem era John Lennon. Quantos indivíduos hoje, um quarto de século depois, e num show-business como o de hoje (muito mais narcisista, permissivo e marqueteiro do que o de então) teriam coragem de aparecer nus na capa de uma revista, abraçados à esposa totalmente vestida, numa pose de total abandono, vulnerabilidade e entrega? Aparecer nu em fotos fica bem para gatões bronzeados e trabalhados em academia, não para um senhor de quarenta anos, branquelo, sem muito músculo para mostrar. E a posição, senhoras e senhores! Quantos feministas-de-entrevista de hoje ousariam enfrentar as imensas possibilidades de ridículo contidas naquela atitude, de se mostrar como um bebezinho nu e indefeso nas mãos de uma mulher?
Lennon tinha numerosos defeitos. Era vaidoso, muitas vezes arrogante, gostava de ditar regras (quase que uso outro verbo), tinha pavio curto, e muitas vezes era de uma ingenuidade espantosa, como só os indivíduos extremamente emotivos e intuitivos podem ser, pelo simples fato de que não param para pensar, e vivem totalmente de improviso, deixando-se arrastar por impulsos e intuições simplesmente porque acham que é melhor fazer uma besteira com espontaneidade do que refletir por cinco minutos e fazer uma coisa certa. Buscar a verdade espontânea da vida foi sempre um sonho de Lennon, sonho inatingível porque não existe tal coisa como “a verdade espontânea da vida”. Mas ele entrou em todas as situações e saiu de todas, nunca teve medo de ser ridículo ou de pagar-um-mico, nunca teve medo de bater de frente com os poderosos. A capa da Rolling Stone mostra um indivíduo magro, branco, nu, numa posição de extrema fragilidade. E é justamente a coragem de se expor assim, de se confessar assim publicamente para o mundo inteiro, que dá a medida de quem era Lennon. Pense num macho corajoso!
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