É um dos gêneros mais inquietantes da literatura fantástica, e embora tenha sido criado e cristalizado por grande parte dos autores românticos do século 18, eu diria que foi Edgar Allan Poe quem de fato o transformou numa obra de arte.
O relato alucinatório explora até as últimas conseqüências a técnica expressionista de nos mostrar o mundo através dos olhos de um personagem: vemos o que ele vê, sentimos o que ele sente. Só que, no presente caso, o personagem está vivendo um estado alterado de consciência; e nós com ele.
Poe foi o mestre dos contos de dedução e raciocínio, mas foi também o mestre da alucinação. Releiam-se obras arrepiantes como “O Gato Preto” ou “O Coração Revelador”. Estamos na mente de um desequilibrado, e a medida do talento de Poe é como consegue nos transmitir essa sensação de desequilíbrio em dois personagens tão diferentes quanto os narradores destes dois contos.
Outros mestres do gênero foram o alemão Hoffmann e o francês Maupassant – este último com o agravante de que estava de fato enlouquecendo, e muitos de seus contos refletem esse lento processo de deterioração mental.
No Brasil temos obras como a Noite na Taverna de Álvares de Azevedo, uma seqüência de episódios arrepiantes que, no entanto, se focalizam mais na crueldade do que propriamente na alucinação.
Temos Noite de Érico Veríssimo, a história de um homem amnésico vagueando pela madrugada insone de Porto Alegre. Temos os romances de Campos de Carvalho, especialmente A Chuva Imóvel e Vaca de Nariz Sutil, narrativas na primeira pessoa que nos deixam perceber apenas alguns vislumbres do mundo do lado de fora da mente do narrador.
O relato alucinatório tem um ritmo narrativo próprio, em que o que nos é dito parece fazer sentido mas logo em seguida cai do céu um episódio surrealista ou uma situação absurda. Quando imaginamos perceber o que está acontecendo, o tapete é mais uma vez puxado de sob nossos pés, e mergulhamos novamente no caos mental do protagonista.
Grande parte dessas histórias recorre à primeira pessoa narrativa como uma maneira mais eficaz e mais direta de aprisionar o leitor dentro da gaiola mental do personagem que narra.
No cinema temos também exemplos da mesma técnica, como nos filmes de David Lynch (Veludo Azul, Cidade dos Sonhos), filmes que exigem muito do espectador, não no sentido banal de “dar uma explicação” para o que está acontecendo, mas no sentido de aceitar as regras do jogo, fazer o investimento de atenção e de energia emocional necessários à absorção da história, mesmo sabendo que de tantos em tantos minutos tudo aquilo irá se negado pelo narrador.
O cinema é particularmente propício a esse tipo de relato, por não exigir o esforço de concentração que a leitura exige. No cinema, que não passa de uma alucinação controlada por imagens e sons, o relato alucinatório encontra sua melhor expressão.
Um comentário:
De fato, Edgar Allan Poe é um dos grandes da literatura mundial. Tenho nele, assim como em Howard Phillips Lovecraft, um modelo para minha escrita, embora eu não passe de um "semi-profissional" escritor.
Poe, sem dúvida, continuará a assombrar com sua escrita bicentenária.
Até mais. Belo espaço esse teu blog. Muita força e inspiração.
Do escritor semi-profissional e ainda muito desconhecido
Leonardo Nunes Nunes
http://seguidorlovecraft.blogspot.com/
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