Se eu chegasse em qualquer ambiente acadêmico ocidental (Sorbonne, Oxford, Yale, Milão) e tentasse dizer o quanto os dois escritores acima são parecidos, seria provavelmente olhado com desdém e irritação. E de fato, para quem quer que conheça a obra de Jorge Luís Borges e a de Isaac Asimov parece não haver uma dupla mais dissímile.
Borges é hoje em dia o deus-pequenino da Academia, o santo padroeiro do Pós-Modernismo, o ícone da desconstrução e da intertextualidade. Aos olhos dos seus seguidores, o coitado do Asimov é um escritor medíocre, pobre em estilo, que passou a vida escrevendo romances de ficção científica e contos policiais, e só se redimiu parcialmente diante da “intelligentzia” pelo fato de ter produzido algumas centenas de livros de divulgação científica que, se não deixaram marca alguma na história da Literatura, pelo menos despertaram em muitos jovens o interesse pela Ciência.
Como sou meio fã dos dois, contudo, já li muito sobre a vida de ambos, e vejo que apesar dessas diferenças todas, eles me parecem quase que clones um do outro.
Em primeiro lugar, ambos são homens que viveram quase que exclusivamente dos livros e para os livros. Ambos eram leitores intensos e onívoros; liam de tudo, interessavam-se por tudo. Nunca foram de viajar, de ter atividades ao ar livre, de fazer farra, de meter-se em aventuras físicas. Era livro atrás de livro.
Ambos viveram cercados por grupos de admiradores e discípulos. Asimov era expansivo e falastrão; Borges, tímido e discreto; mas ambos foram grandes conversadores. Cada um casou por duas vezes, mas ouso supor que fora desses casamentos sua vida amorosa foi quase nula. Suas obras têm personagens femininos mais baseados na fantasia e na memória literária do que no conhecimento de mulheres de carne e osso.
Borges foi grande conhecedor da filosofia do século 19; Asimov, um grande conhecedor da ciência do século 20. Estas áreas do conhecimento moldaram a visão-do-mundo de cada um, e o perfil de suas literaturas.
Ainda assim, tinham gostos semelhantes. Muita gente não sabe, mas Borges foi um leitor devoto dos contos policiais e de FC que eram o ganha-pão de Asimov. Tenho imensa curiosidade de saber se cada um deles leu alguma obra do outro, e o que achava dela. Não é impossível, porque eram de gerações próximas (o argentino era 21 anos mais velho) e viveram a partir dos anos 1960 o auge de sua celebridade.
Borges era um estilista fino, dono de uma prosa aguda como navalha, que ele foi depurando ao longo da vida até dominar com perfeição por volta dos 40 anos. Asimov torcia o nariz para estilo, e defendeu em ensaios famosos uma “prosa translúcida”, que não chamasse a atenção sobre si própria.
Cada qual ao seu modo, defendiam o ideal clássico de uma escrita nítida e de uma literatura fantástica paradoxalmente racional, baseada no intelecto, na ordem, na clareza. Buscaram-na por caminhos divergentes e às vezes antagônicos. O que acharam foi muito diverso, mas o que buscavam era o mesmo.
(O texto acima foi publicado no livro 78 Rotações, Editora Jovens Escribas, Natal, 2015.)
Um comentário:
Tirando o dia para ler teu belíssimo blog, deparei-me com esse artigo muito interessante.
Estimo muito Jorge Luis Borges, e o assunto abordado foi inteligentíssimo. Tenho a dizer: parabéns. Ótimo!
Abraços
Leonardo Nunes Nunes - escritor "semi-profissional"
http://seguidorlovecraft.blogspot.com/
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