quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

0794) Ronald Golias contra o Agente 86 (4.10.2005)




Com poucos dias de diferença, faleceram estes dois atores que arrancaram muitas risadas dos sujeitos da minha geração. O riso é um fenômeno curioso. Por mais que nele exista um componente sádico, um componente de crueldade de quem se diverte com a tragédia alheia, ele é no fundo um laço de afetividade que aproxima dois indivíduos, o sujeito que na tela esbarra e tropeça em tudo que lhe surge pela frente, e o sujeito que na escuridão do cinema ri e se diverte. 

Somos gratos aos grandes cômicos, uma gratidão que não é a mesma que devemos aos grandes atores trágicos. Um grande ator trágico é como um pai; um cômico é como um irmão mais novo. 

Pois é, um desses irmãos mais novos morreu com mais de 70 anos: o careteiro, estridente, exagerado e grotesco Ronald Golias. A imagem que guardo dele será sempre em preto-e-branco, cheia dos chuviscos e das “interferências” que perturbavam as emissões de TV nos anos 1960. Como “Bronco”, com aquele boné revirado, ele fez a alegria de muitas noitadas entre grupos de “televizinhos”. Quando George W. Bush assumiu a presidência dos EUA, nunca o levei a sério. Ele é a cara de Golias quando era mais novo. 

O outro falecido foi Don Adams, que interpretava o impagável Maxwell Smart, da série “Agente 86”. Um James Bond às avessas, um trapalhão num papel onde só cabiam super-homens. Adams mantinha o estilo Buster Keaton de nunca sorrir, de parecer estar sempre levando tremendamente a sério todas as situações “pastelão” em que se envolvia, e de estar sempre prestando uma atenção danada. Nunca se dava por achado, por mais catastróficas que fossem suas intervenções. 

Vou arriscar uma teoria. Existem comediantes semânticos e comediantes sintáticos (os dois tipos podem também vir combinados). 

Os comediantes semânticos são aqueles que são engraçados em si mesmos: porque têm a cara ou a voz engraçada, porque fazem caretas e mungangas, porque dizem coisas divertidas. As histórias em que se metem nem são essas coisas todas, mas tornam-se engraçadas através das suas intervenções. Quem é engraçado são eles próprios, é tudo que eles fazem. Golias era um comediante semântico. 

Os comediantes sintáticos são aqueles que, vistos isoladamente, não têm graça nenhuma, pelo contrário, são uns caras muito sérios. A graça decorre das situações em que eles se metem. É seu relacionamento com essas situações, personagens e ambientes que desperta o riso na platéia. Don Adams era assim. 

Daí que os roteiros em que atuava eram inevitavelmente superiores aos roteiros de Golias. Era a história e as situações que, em choque com ele, provocavam o riso. Já Golias despertava o riso pelos seus trejeitos e improvisos – a história poderia ser qualquer uma. É a escola intuitiva, histriônica, de comediantes como Renato Aragão, Cantinflas, Oscarito. 

São duas escolas diferentes de humor, e os grandes comediantes são aqueles (Chaplin, os irmãos Marx, Keaton, Jerry Lewis, etc.) que conseguem reunir o melhor de cada uma.





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