Uma das canções mais belas de Caetano Veloso é “Terra”, uma canção de amor feita para um planeta, e não para uma pessoa. Um dos seus versos tocam de maneira especial a nós, leitores do “Jornal da Paraíba”:
Na vertigem do cinema,
mando um abraço pra ti,
pequenina, como se
eu fosse o saudoso poeta
e fosses a Paraíba... Terra... Terra...
Eu adoro estes versos. Ele diz que ao ver a Terra lá do espaço sideral (pelas câmaras da nave Apollo) sente saudade dela, ao vê-la tão pequenina, e o que lhe vem à mente é a canção de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira:
Hoje eu mando um abraço pra ti, pequenina...
Paraíba masculina, mulher macho sim senhor.
Sempre achei poeticamente belo um baiano ver o planeta Terra e se lembrar da Paraíba através dos versos de um poeta cearense, cantados por um cantor pernambucano.
Assim como existem as invisíveis fronteiras geográficas separando territórios que em última análise são todos um só, existem também as barreiras autorais separando versos e obras que estão na memória e no inconsciente de todos, e delimitando o que pertence a quem.
Lembro-me de uma época, quando eu morava na Bahia, de passar horas discutindo em mesa de bar esta e outra canção de Caetano, “Xangô Menino”, onde a certa altura ele diz: “Olha pro céu, meu amor, veja como ele está lindo...”
Meus antagonistas (a Bahia se divide em pró- e contra-Caetano, como o resto do Brasil) brandiam estes versos como prova de que Caetano plagiava Luiz Gonzaga: “Tá vendo? Ele rouba os versos alheios e bota nas músicas dele! E isso é porque é Luiz Gonzaga! Imagine a quantidade de versos de gente que a gente não conhece! É um plagiário!”
Não, não é. Existem várias palavras para descrever o que é isto. Uma delas é “citação”: quando no corpo de uma obra inserem-se trechos de obra alheia, não só pelo sentido literal do trecho em si, mas também para fazer uma referência (citação, homenagem, crítica, contradição) a essa obra, que se pressupõe conhecida pela maior parte do público.
Me parece óbvio (e deve ter parecido a Caetano) que todo mundo iria perceber de cara que aqueles versos eram citações de Luiz Gonzaga. Não havia a menor intenção de ocultar o autor original e reivindicar para si a autoria da obra; é a atitude de má-fé que caracteriza o plágio.
Alguns versos, de tão banais e tão repetidos por todo mundo, não têm mais autoria certa, viraram “folclore”. Versos como “sem você não sei viver”, “eu vou morrer de saudade”, etc.
Se eu coloco numa letra minha um verso como “Pois quem mora lá no morro vive perto do espaço sideral”, estou fazendo uma citação a Herivelto Martins (“Ave Maria do Morro”), mas no final do verso dou uma “virada” que muda o sentido do verso; é um verso novo.
É o mesmo caso de “Terra”: são as palavras de Humberto Teixeira, mas encaixadas num contexto sintático e poético que lhes dá um novo significado. Plágio? Jamais. É um tipo de citação que mostra o talento do citador e a importância do citado.
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