sábado, 13 de setembro de 2008

0544) Ser gordo e ser magro (16.12.2004)


(Laurel & Hardy, 1956)

Não sei o que é mais triste: ser gordo ou ser magro. Digo isto, a bem da verdade, com o confuso sentimento de culpa daqueles que têm braços e pernas finos, e uma ligeira protuberância no equador-ventral, devida ao consumo indiscriminado de cerveja e sanduíches. O culto ao corpo (dietas, academias, malhação incessante) acaba se tornando uma escravidão. As pessoas consomem anos inteiros de suas vidas em busca de um ideal inatingível de perfeição. Por mais que se esfalfem, por mais que martirizem suas articulações e músculos, por mais que se encham de traumas e condicionamentos para evitar comer as coisas que mais gostam, jamais terão os corpos torneados e estonteantes dos rapazes e moças que aparecem nas capas das revistas.

Olho-me no espelho, e de perfil a minha silhueta lembra a do saudoso Marlon Brando em O Poderoso Chefão. Eu decidi me conformar com o que sou, mas não permitir que nenhuma característica minha se acentue mais do que as outras. Pretendo manter este peso, este formato e esta silhueta até o apito final, aumentando ou diminuindo as doses de alimentação e exercício conforme necessário. Já tive (não tenho mais) inveja de sujeitos bonitões como Brad Pitt ou Keanu Reeves. Quero ver esses caras quando tiverem a minha idade e meu saldo médio.

Passo pelas academias e vejo aquele monte de masoquistas se auto-destruindo (ver “Precisa-se de chapeados”, 19 de setembro). Levam uma vida de privações, de torturas auto-infligidas. São como a Pequena Sereia do conto infantil, que sonha em ter pernas como as moças de verdade, e quando as adquire descobre que o preço a pagar por isto é sentir, a cada passo, as solas dos pés sendo picadas por milhares de agulhas. As academias abrem aquelas vidraças amplamente devassáveis para nos lembrar esta lição metafísica: não há beleza sem sofrimento.

A contrapartida seria, então, abrir mão da Beleza e abraçar esta outra divindade sedutora, o Prazer. Cervejas e salsichas consumidas sem culpa na poltrona, assistindo futebol, corujão e talk-show. Doces e mais doces. Queijos, iogurtes, batatas fritas, xistudos, Big Macs, nuggets de frango empanados, todos eles acompanhados por niágaras de Coca-Cola. E uma pilha de livros junto do sofá, ao alcance da mão.

O Prazer, contudo, é uma divindade tão traiçoeira quanto a Beleza. Esta quer escravizar a nossa auto-estima, mas o Prazer vai igualmente longe, escraviza nossa força de vontade, transforma cada um de nós num títere, num fantoche dos próprios instintos. Tenho algo de puritano em minha formação que me faz ver com certo desprezo as pessoas que se entregam a um prazer sem limites. Não creio em pecado e não faço uma crítica moral: mas prefiro mil vezes a disciplina masoquista dos atletas à auto-indulgência dos que se empanturram de guloseimas (concretas e abstratas), dos idólatras que veneram o bezerro-de-chocolate, e que não conseguem dizer um “não” a si próprios.

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