domingo, 18 de julho de 2010

2280) O shoooooow da Copa (29.6.2010)



(Maradona e os fotógrafos - foto de David Gray)

Os locutores da TV não param de comemorar: “Um shoooow de imagens para você! São 32 câmaras espalhadas pelo Estádio!”. De fato, o que salva as Copas do Mundo de hoje em dia é, mais que o jogo, a cobertura do jogo. A maioria dos gols é de uma banalidade assombrosa, mas se fixam em nossa memória depois que a gente vê de frente, de um lado, do outro, por trás, de cima, câmara lenta, câmara próxima, no detalhe... A Fifa descobriu, com meio século de atraso, o Canal 100. Descobriu que a beleza do futebol nem sempre é visível ao olho humano, é preciso retardar o movimento para que a gente tenha idéia do que acontece (e não é pouco) naquelas frações de segundo. Uma das imagens mais impressionantes desta Copa foi o pênalte cometido pelo zagueiro da Austrália no jogo contra Gana: ele está embaixo do travessão e a bola chutada pelo atacante se choca com seu braço, que evita o gol. A câmara lenta mostra o braço estendido, a jabulani se aproximando, explodindo de encontro ao braço, deformando-se, sendo mandada de volta, e todos os músculos do braço do sujeito estremecendo ao mesmo tempo. (Depois, é claro, o zagueiro reclamou do juiz e disse que não foi pênalti.)

Chegou um momento perigoso da relação entre imagem e mundo. Descobrimos ao longo dos séculos que o mundo enquadrado fica mais bonito (pintura, fotografia, cinema). Uma paisagem é banal? Vamos recortá-la em retângulo e reproduzi-la, emoldurada. Num instante ela fica poética. O recorte potencializa, concentra ali todos os significados possíveis. Cineasta gosta muito de erguer os polegares e indicadores das duas mãos formando um retângulo, para enquadrar rostos, paisagens, detalhes. Isolado do seu entorno, qualquer objeto vira signo. Dentro das quatro linhas da imagem, ele deixa de pertencer ao mundo físico e entra no mundo semiótico, deixa a Natureza para fazer parte da Cultura.

O momento perigoso foi quando alguém pensou: “Puxa vida, o simples ato de enquadrar uma coisa, por mais banal que seja, lhe confere um significado transcendental!”. Porque o pensamento seguinte é: “Bom, já que o significado transcendental está no enquadramento, e não na coisa, dispensemo-nos de escolher a coisa! A coisa pode ser qualquer uma! Tanto faz enquadrar o atentado às Torres Gêmeas quanto uma meia velha jogada no chão! Tanto faz enquadrar o rosto de Fernanda Montenegro quanto o de Xuxa! Tanto faz filmar em super-slow-motion um drible de Robinho quando uma trombada de Felipe Melo!”. E aí surgiu o cinema de Andy Warhol.

E este, amigos, é o futebol do futuro. Sou futeboleiro genético, não sei viver sem assistir um jogo de bola, e não me lembro quando fui a um estádio pela última vez, acho que foi quando o Treze foi campeão em 2005. Moro no Rio, e fui ao Maracanã pela última vez em 1990. Futebol para mim, hoje em dia, é um programa de TV, e com isto sou capaz de antever o futuro. Vinte e dois Felipes Melos em campo – e 128 câmaras dando um shoooow de imagens!

Um comentário:

Gugagumma disse...

Braulio, Fantastico este post!!
Impressionante mesmo quando a gente enquadra seja lá qual for a imagem, e ela se torna "trancedental". Deixa de ser natureza pra virar cultura!!

De uma foto sai uma idéia, um pensamento, uma arte, um motivo...

Viajei tanto até chegar a Machu Picchu, e quando lá cheguei só queria tirar fotos...

PARABENS!!

gugagumma.blogspot.com