quarta-feira, 14 de abril de 2010

1909) Duas flechas no ar (22.4.2009)



Um artigo de William Langewiesche na revista Vanity Fair procura dar um balanço, depois que a poeira assentou, nos fatos que conduziram ao acidente entre um Boeing da Gol e um avião Legacy pilotado por dois norte-americanos, em 2006. Foi um dos maiores acidentes aéreos já ocorridos no Brasil, e tornou-se ainda mais grave porque a culpa acabou sendo dividida entre os controladores de vôo brasileiros (mal pagos, mal preparados, estressados, etc) e os dois norte-americanos, que pilotavam de forma talvez descuidada um jatinho de luxo destinado a executivos de multinacionais. O avião da Gol, com seus cento e tanto passageiros, foi a vítima azarada dos erros e descuidos cometidos por esses dois grupos de técnicos.

Não discutirei aqui a respectiva percentagem de culpa que cabe a cada um, mas transcrevo um comentário feito pelo jornalista no parágrafo final de seu artigo, que pode ser encontrado aqui: http://www.vanityfair.com/magazine/2009/01/air_crash200901?currentPage=all. Diz ele, ao recordar sua conversa com os índios caiapós, sobre cuja reserva o acidente ocorreu:

“Em última análise, o acidente nos leva a avaliar um paradoxo associado ao progresso e aos tempos modernos. Falei aos caiapós para levarem em conta que em todo o céu por sobre aquela floresta havia apenas aqueles dois aviões no ar. Era como se num espaço do tamanho da aldeia caiapó – não, mais do que isto, um espaço que se estendesse até a rodovia – índios disparassem duas flechas na direção um do outro, e as flechas se chocassem. Quais eram as probabilidades de algo assim acontecer? No passado, jamais aconteceria. Mesmo se tivessem sido guiadas para a mesma rota aérea, as ‘flechas’ teriam passado uma pela outra, devido à falta de exatidão inerente ao voo. Mas agora foram inventadas ‘penas’ mais aperfeiçoadas, e isto se tornou um requisito obrigatório para aeronaves que voam em alta velocidade. Como resultado disto, as novas flechas voam com uma exatidão espantosa, o que permite que uma quantidade muito maior delas esteja cruzando os céus ao mesmo tempo, mas com uma dependência muito maior nos sistemas interligados que controlam esses voos. O céu continua grande, como sempre foi, mas a margem de erro se estreitou. E quando os sistemas falham? Foi isto que aconteceu sobre a terra dos caiapós. O paradoxo envolvido no caso foi: exatidão. Erros foram cometidos, o Diabo interferiu, e as duas flechas bateram de frente”.

Os erros neste caso foram todos humanos, e não do equipamento. Os pilotos esqueceram de ligar o transponder, os controladores entenderam mal ou transmitiram mal as informações, etc. Quando os humanos cometem erros, nossa solução é criar “máquinas que não erram” (como se isto pudesse existir) e colocá-las no lugar dos humanos. Não lhes ocorre preparar melhor os humanos, dar-lhes melhores salários, melhor treinamento, maior disciplina, cargas horárias compatíveis com a intensidade do trabalho que executam.

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