São duas coisas muito parecidas: um sujeito ao volante de um automóvel, e um sujeito ao teclado de um computador. E ficam mais parecidos ainda quando o que eles estão fazendo ali começa a ser atrapalhado – a máquina recusa-se a funcionar, ou alguém de fora interfere no que ele está fazendo. Existe coisa mais exasperante do que clicar um comando e nada acontecer? Existe tortura pior do que uma conexão lenta, ou que cai com frequência? Existe maior tormento do que uma tela congelada à nossa frente, sobre a qual ficamos passeando às tontas um cursor transformado em ampulheta?
É nisso que penso quando contemplo à distância o desespero dos motoristas no trânsito. É o engarrafamento que deixa o sujeito trancado por todos os lados, como Amir Klink na Antártida, tendo que esperar que o degelo do verão faça os carros à sua volta se moverem, permitindo que ele vá embora. É a raiva cega e homicida contra o descuidado que bloqueou seu carro no estacionamento e foi embora. É o dedo impaciente premindo a buzina sem parar, para que o décimo carro lá na frente, o mais próximo ao sinal de trânsito, perceba que ele ficou verde. É o palavrão histérico contra o imbecil que não ligou a sinaleira; é o revólver em punho contra o agressor que lhe deu uma fechada.
Artefatos tão high-tech quanto um automóvel e um computador parecem ser destinados ao nosso neo-córtex cerebral, a parte mais evoluída do nosso cérebro, que lida com linguagens, sistemas, idéias abstratas. Na prática, contudo, quem os manipula é a parte mais ancestral e primitiva do cérebro, o chamado “complexo R”, ou “cérebro reptiliano”, diretamente ligado aos nossos reflexos, nossa atividade motora, nossas respostas instantâneas ao que ocorre no ambiente. (Entre os dois, existe o sistema límbico, ou “cérebro mamífero”, responsável pela afetividade, o gregarismo, as emoções.) É este cérebro reptiliano que nos garante a sobrevivência entre predadores e concorrentes; é ele que durante milhões de anos nos fez, numa fração de segundo, decidir se valia a pena lutar contra uma ameaça ou se era melhor fugir a toda velocidade.
Automóveis e computadores, à medida que se aperfeiçoam, dão respostas cada vez mais rápidas e eficazes aos nossos comandos. Um toquezinho, e ele já obedeceu. Acostumamo-nos com isto, e o funcionamento da máquina vira um extensão de nosso sistema perceptivo e motor. O cérebro reptiliano gosta de ações e reações instantâneas, de controle total, de superação rápida de obstáculos. Por isso os motoristas e internautas ficam tão irritados quando os comandos não lhes obedecem ou quando outros motoristas interferem com sua atividade. O cérebro reptiliano é rápido, interesseiro, competitivo, pensa apenas em executar o mais rapidamente e mais satisfatoriamente possível aquela tarefa. Qualquer contratempo desperta sua ira. Quando rosnamos de ódio diante do volante ou do monitor, é a língua bífida do réptil primitivo que emerge da nossa boca.
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