Um dos meus passatempos é procurar pontos de contato entre coisas distantes ou pontos de semelhança entre coisas distintas. Em 1.10.2005 publiquei aqui o artigo “Borges e Asimov”, em que mostrei o quanto estes dois autores, improvavelmente, se parecem. Uma recente noite de insônia me forneceu mais um detalhe para aproximá-los. Os conhecedores da obra de Isaac Asimov sabem que um dos seus contos mais famosos é “Nightfall” (“O cair da noite”), que um crítico já descreveu como “provavelmente o conto mais famoso da ficção científica americana em todos os tempos”. Asimov, na época um jovem de 21 anos, tomou como ponto de partida uma frase de Ralph Waldo Emerson, o escritor e filósofo do século 19: “Se as estrelas aparecessem apenas uma noite durante mil anos, ah, como os homens iriam crer e reverenciar, e preservar por muitos e muitos anos a recordação da Cidade de Deus!”
Bela imagem, a de Emerson – céus noturnos perpetuamente imersos na escuridão e aí, uma noite, aparecem de súbito todas as estrelas, planetas, constelações, e a Via Látea – descrita num verso famoso de Victor Hugo (lembrado por Borges) como “a hidra-universo torcendo seu corpo incrustado de astros”. Os homens, evidentemente, cairiam de joelhos, deslumbrados e agradecidos por esta visão preternatural. Pois bem: Asimov pega esta idéia e a vira pelo avesso. Ele imagina um planeta que orbita num sistema de vários sóis, várias estrelas próximas (algo bastante comum), de tal modo que ali nunca existe noite completa, pois sempre um destes sóis está aparecendo no céu. Como os sóis e o planeta estão em perpétuo movimento, contudo, de tantos em tantos séculos acontece de todos os sóis estarem de um só lado – e metade do planeta mergulhar, pela primeira vez na memória daquela geração, na escuridão da noite, ainda que atenuada pela presença das estrelas.
O que sucede então, em vez do deslumbramento e da reverência, é o caos. A visão do céu noturno é o bastante para provocar o pânico coletivo; e é este Cair da Noite periódico que, periodicamente, causa a ruína das civilizações que se sucedem no planeta. As multidões enlouquecem à mera contemplação do negror do vácuo e do brilho das constelações.
É um belo conto e eu pensava nele, de olhos fechados na treva, quando me ocorreu a lembrança de um parágrafo de Borges. Pelejei para encontrá-lo, mas agora (à 1:45 da madrugada) ei-lo aqui, no ensaio “As Kenningar”, da Nova Antologia Pessoal: “Um epigrama da Antologia Grega declara: ‘Quisera ser a noite para olhar-te com milhares de olhos’; Chesterton define a noite como um monstro feito de olhos. Ambos os exemplos equiparam olhos e estrelas, mas o primeiro expressa a ansiedade, a ternura e a exaltação, e o segundo, o terror. Nossa imaginação aceita os dois”. Ouso dizer que os aceita porque tudo que toca o Sublime toca também o Terrível, porque ambos exprimem o que é “difícil de ser suportado” (v. “Beleza medonha”, 1.1.2004).
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