(Paola Binetti)
Repercutiu na imprensa européia a notícia de que uma senadora italiana faz uso do cilício, um instrumento antigo de mortificação corporal que muita gente supunha desaparecido, mas que voltou à evidência há pouco tempo através de um personagem de O Código Da Vinci, um monge fanático pertencente à Opus Dei que também emprega esse objeto. O cilício pode assumir várias formas, mas geralmente é um cinturão com pregos, agulhas, cacos de vidro ou outros objetos pontiagudos que causam dor. O penitente o usa durante o sono ou durante suas atividades diárias. O objetivo é mortificar a carne, cumprir penitência, fazer recordar a todo instante a idéia de pecado e punição. A senadora Paola Binetti, de 63 anos também pertence à Opus Dei (uma organização cristã ultraconservadora), e usa o cilício sob a forma de uma liga presa à perna.
Disse ela: "A mortificação é um exercício de vontade. Há pessoas que fazem votos, outras passam horas na academia para ficar em forma. E ainda há mulheres que vivem com saltos altíssimos e incômodos". Muitos italianos devem ter se escandalizado diante da revelação da senadora, mas eu não. Qual é o problema? Fé religiosa e sofrimento físico sempre estiveram associados. A dor é uma das muitas maneiras de produzir adrenalina, de provocar uma tensão física e mental que leva o indivíduo a um alto grau de concentração. Os místicos medievais rezavam nus na neve, passavam dias inteiros em posições incômodas, praticavam o jejum, faziam-se chicotear. Os muçulmanos têm ainda hoje cerimônias em que chicoteiam ritmicamente as próprias costas. Romeiros nordestinos carregam pedras na cabeça, sobem de joelhos a escadaria da Penha ou do Horto do Juazeiro. Qual é o problema de amarrar um cilício na coxa?
Há pessoas que acham esquisita esta autoflagelação e a consideram sinal de um distúrbio mental. Essas mesmas pessoas, por outro lado, acham normais certas brincadeiras eróticas de natureza sadomasoquista que antigamente eram tabu mas agora, em nossa época permissiva, aparecem o tempo inteiro no cinema, na TV, nas revistas. Pessoas fazem-se amarrar, algemar, amordaçar; pedem para levar palmadas ou chicotadas... Por que? Ora, pelo mesmo motivo acima. A dor, quando mantida sob controle e em condições de estrita confiança mútua, produz uma adrenalina que intensifica as sensações de prazer. Satisfaz uma necessidade de mortificação física e emocional, e isto produz em algumas pessoas (por motivos que Freud explica) um prazer mais intenso. Elas não o fazem para se agredir mutuamente, mas para dar-se mutuamente uma forma diferente de carinho físico e de satisfação emocional. Pode-se achar que é uma forma meio troncha, mas, e daí? Se eles gostam, é um direito deles. O cilício, para mim, tem seu uso justificado pelas mesmas razões. Se aceitamos que “qualquer maneira de amar vale a pena”, por que não podemos incluir nisto qualquer maneira de amar a Deus?
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