Em outubro teremos o referendo que pede o fim da fabricação e o comercialização de armas no Brasil. Já toquei no assunto aqui (“Revólveres”, 27.2.2004; “Adeus às armas”, 15.5.2005), e todo mundo já sabe que sou contra armas. Quando eu era pequeno adorava pistolas, espingardas, espadas e metralhadoras, e ao que parece minha agressividade bélica se esgotou toda nos morticínios virtuais que eu promovia por dentro de casa aos dez anos, matando índios apaches no terraço, alienígenas na sala de visitas, soldados prussianos (eu era meio napoleônico) no quarto dos fundos e centuriões romanos no quintal. Pronto. Matei mais gente do que a II Guerra Mundial inteira, e acho que exorcizei o Antonio das Mortes que dormita no inconsciente nós todos.
Infelizmente, parece que só aconteceu comigo. O resto do Brasil vive num frenesi danado de botar um 38 na cintura e sair de rua afora, perguntando onde estão os assaltantes e seqüestradores. Os meus amigos que defendem o uso das armas alegam que querem ficar em condições de igualdade com os bandidos, para a hipótese de um eventual confronto. Eu lhes retruco que para ficar em condições de igualdade não basta ter uma arma igual, é preciso ter experiência igual, e o sangue-frio de quem já usou arma em ocasiões de vida-ou-morte. Para enfrentar bandido, só um profissional da arma, ou seja, um policial.
Se alguém quer trocar tiros com bandidos e acha que vai se sair bem, problema dele. O problema alheio é quando o sujeito ao volante de um Gol amassa o paralama do Citroen do cidadão e este sai de arma em punho, enlouquecido com aquela mistura de sacrilégio e insulto à sua masculinidade. Já observei que um sujeito com revólver se enraivece muito mais depressa do que um sujeito sem. Acho que o revólver fica cochichando telepaticamente: “Vai, vai lá. Se ele quiser te matar, tu mata ele”.
O que é um revólver? É você dar a um cara os mesmos poderes de Zeus, de Júpiter, do Deus dos Deuses: o poder de emitir raios com o simples gesto de estender a mão. Como a maioria dos portadores de armas é de uma espantosa incompetência, esses raios em geral são aleatórios, o próprio emitente não pode garantir com muita certeza que ele esteja partindo com endereço certo. Sou capaz de apostar que 83% dos tiros disparados em situação de conflito real não acertam o alvo para que se destinavam. Acertam uma parede, o chão, o mato, e freqüentemente acertam um figurante que ia passando lá no fundo da cena e que só percebe o que está acontecendo quando sente uma abelha ferroando a costela e vê a camisa ficando vermelha.
Sei que os partidários do armamento têm longos e eloqüentes argumentos em favor de sua tese, mas não me darei ao trabalho de rebatê-los um por um, porque por mais argumentos que tenham sua causa é movida por uma razão emocional: a crença na violência para combater a violência. Eu sou movido pela crença oposta, voto “SIM” contra as armas, e sugiro ao leitor que faça o mesmo.
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