Por que tantos heróis da cultura popular têm dupla identidade? Quando eu era garoto e lia quadrinhos, me parecia óbvio que fosse assim. Todos nós sabíamos que Clark Kent e Super-Homem eram a mesma pessoa; que Billy Batson se transformava no Capitão Marvel quando dizia a palavra mágica “Shazam”; que o milionário Bruce Wayne descia à Caverna do Morcego para sair dali disfarçado de Batman. A lista era longa. Durante muito tempo, me pareceu que todo herói tinha que ter uma face pública e pacata, e uma face oculta e sobrehumana.
Depois percebi que não era apenas nos quadrinhos. Nessa época eu era leitor devotado das aventuras do Zorro, bem como das histórias do “Coyote”, pistoleiro mexicano criado por J. Mallorqui, o qual na vida civil era o pacato fazendeiro Dom César Echagüe, mas quando se disfarçava era um justiceiro temido, que deixava um desenho em forma de cabeça de coiote nos locais onde fazia justiça, e costumava marcar os maus elementos arrancando o lóbulo de sua orelha com um tiro, para reconhecê-los depois.
Em seu inestimável volume de ensaios Seis Propostas para o Próximo Milênio, Italo Calvino usa a mitologia grega (inspirando-se em um livro de André Virel) para explicar essa dualidade do ser humano, e, por extensão (esta por minha conta), dos heróis da cultura de massas. Diz ele que o homem tem um lado Mercúrio (que representa a “sintonia”, a nossa troca de informações com o mundo à nossa volta) e um lado Vulcano (que representa a “focalização”, ou seja, o nosso pensamento concentrado e criador). (Sobre Mercúrio, veja-se a coluna “O deus das coisas certas”, 10.3.2004) Um é o nosso lado público, social; o outro o nosso lado íntimo e profundo. O fascínio exercido pelos heróis de dupla personalidade está no aparente paradoxo de que o “rosto oficial” (Bruce Wayne, Clark Kent) fica em segundo plano, enquanto que a personalidade secreta (Batman, Super-Homem) é o verdadeiro foco das atenções.
No fundo, é um retrato do artista criador, que é um super-herói conhecido e admirado por todos, capaz de façanhas espantosas... mas que, quando o encontramos em carne-e-osso, nos surpreende por ter os nossos mesmos defeitos, inseguranças, limitações. Pedimos o autógrafo, tiramos a foto com o braço sobre o seu ombro, e ficamos matutando se foi mesmo esse cara de roupa amassada, olhos cansados e barba por fazer que dirigiu aqueles filmes maravilhosos, escreveu aqueles livros impressionantes, compôs aquelas músicas que ficarão para sempre. O artista é um super-herói ao contrário. É um sujeito banal em público, mas que se transforma em alguém grandioso quando está a sós, no momento da criação. Mesmo que a gente tome um drinque ao seu lado, chegue mesmo a conviver com ele e ter amizade, é sempre o lado Clark Kent que ficaremos conhecendo. Como é ele quando se transforma em Super-Homem, nunca saberemos, mas a transformação ocorre, e a prova disto é o livro, é o filme, é a canção.
3 comentários:
MUITO BOM SEU BLOG E TRABALHO VALEU !
gostei do post a forma e visão! mas interpreto (acho) q esses personagens não são exatament esquizos pois usam de pseudonimos e indentidades secretas por querer... ,existe dualidde e pseudocontatos sim (mas nesses casos por segurança...opçao propria ...) mas não uma cisao mental,corporea... ex: clark kent sempre vai ser super man no fundo ou o inverso, mas sempre vai poder se revelar e virar apenas um ,secreto por querer... já gollum é ferrado transtornado um verdadeiro esquizo sem essa opção, luta contra si mesmo assim como hulk... mas de volta realidade heheh todo temos nossas confusoes contrastes e dualidades principalmente artitas..como mostrado no post.. os psicologos q se divertem ashuashua
Marrapaiz, isso é uma verdade grande. Eita, gota!
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