terça-feira, 1 de abril de 2008

0350) Sidney Miller (4.5.2004)



Foi um dos maiores compositores cariocas dos anos 1960. Hoje seu nome só é conhecido dos cariocas porque foi dado à Sala Funarte Sidney Miller, um teatro por onde já passou muita coisa boa na MPB, pertinho da Cinelândia. Foi roteirista e produtor de shows, fêz trilhas sonoras para o cinema e o teatro, mas ainda é lembrado por um pequeno grupo de fãs pelas belas canções distribuídas nos três LPs que lançou em vida. A extraordinária fluência e simplicidade poética de seus versos fêz com que mais de um crítico o colocasse ao lado de Chico Buarque no grupo dos compositores que estavam renovando a arte da letra-de-música no Brasil.

Sua música mais conhecida é “O Circo”: “Vai vai vai, começar a brincadeira... Tem charanga tocando a noite inteira... Vem vem vem ver o circo de verdade... Tem tem tem brincadeira e qualidade.” Foi uma das muitas canções em que Miller explorou o universo temático das cantigas infantis, cujos refrões ele utilizava como tema a ser desenvolvido em música e versos. O resultado disto foram canções de notável beleza poética e delicadeza, como “Marré de Cy”, “Menina da Agulha”, “Passa passa gavião”. Além disto, Miller também explorou o universo do samba e do choro, com canções de bela melodia e letra impecavelmente cadenciada, como “Botequim no. 1”, “Chorinho do Retrato”, “Meu violão” e “Quem dera” (“Mas canta, que toda verdade do mundo / tem sempre um poeta no fundo / meu canto é maior que a razão”).

Duas canções, no entanto, são para mim duas obras-primas, daquelas de arrebentar parâmetros. Uma é a amarga balada urbana “Pois é, pra quê”, uma melodia enganosamente bela e nostálgica, acompanhada por um violão e um assobio, e revestida por versos como: “A fome, a doença, o esporte, a gincana / a praia compensa o trabalho, a semana / o chope, o cinema, o amor que atenua / o tiro no peito e o sangue na rua / a fome, a doença, nem sei mais por quê / que noite, que lua, meu bem... pra quê?” Esta mescla de paisagem urbana, violência, doçura, perplexidade existencial, era típica do Tropicalismo (“Panis et Circensis”, “Eles”, “Ele falava nisso todo dia”), um movimento a que Miller nunca pertenceu, mas ao qual respondeu com canções deste nível.

Outra canção notável é “A Estrada e o Violeiro”, um épico trovadoresco que ganhou o prêmio de Melhor Letra num dos festivais da TV-Record, defendida por Miller e Nara Leão: “— Sou violeiro caminhando só, por esta estrada caminhando só... – Sou uma estrada procurando só, levar o povo pra cidade só...” O diálogo entre a estrada e o cantador-de-viola que caminha mundo afora tem versos primorosos, e é uma das grandes obras da MPB dessa época onde o repentista nordestino foi usado como símbolo do poeta errante, livre, disponível (outros exemplos são “O Cantador” de Dori Caymmi e Nelson Motta, e “Ponteio” de Edu Lobo e Capinam). Ibérico, carioca, nordestino, Sidney Miller morreu moço, em 1980, e deixou uma obra ainda hoje jovem.

4 comentários:

Kleber Brito disse...

Parabéns, Braulio, por este blog maravilhoso, pela brilhante forma que você expõe suas concepções, visões, leituras, releituras, enfim, seu universo cultural. É importante que reconheçamos o valor desses mestres da música popular brasileira, compositores que, de fato, sabiam se expressar com a maestria digna de nossa língua, que compunham músicas de verdade, sem recorrer a "créus", "chupa que é de uva", "trepa-trepas", dentre tantas outras pérolas dessas mentes genuinamente medíocres e sem criatividade.
Mais uma vez, parabéns!
E você não possui apenas 13 leitores fiéis, somos muitos!

Braulio Tavares disse...

OK, Professor... Obrigado pelo incentivo, porque quem escreve nunca sabe se lá na outra extremidade tem alguém lendo. Valeu!

Sebastião Vicente disse...

Bráulio, não sei se você sabe, mas ali em Natal existe um sujeito chamado Francisco Sobreira, que sua mana Clotilde com certeza conhece, e que é outro grande fã de... Sidney Miller. Sobreira, um cearense radicado na capital potiguar onde presidiu um histórico cineclube nos anos 60, tem um blogue (é dele que copio essa grafia aportuguesada) onde fala sobre cinema, posta contos e relembra histórias. E foi lá que postou, há uns meses, um texto lembrando da importância de Sidney Miller. O blogue é o www.luzesdacidade.blogspot.com. Se é que você já não conhece Sobreira, o Luzes e eu estou apenas chovendo no molhado (se assim for, deixo a dica para os muitos com que divido a descoberta e leitura desse "mundo fantasmo"). Até.

Braulio Tavares disse...

Oi Tião. Muito obrigado pela dica, que foi valiosa, porque não conheço o blogue do Sobreira, embora concorde com a grafia (uso a minha para eocnomizar tinta). Quem regravou há pouco uma bela canção de Sidney Miller foi a potiguar-carioca Roberta Sá, cujo CD recomendo.