terça-feira, 1 de abril de 2008

0346) Lay, lady, lay (29.4.2004)



(Adriana Lima)


A TV dos EUA veicula um anúncio da Victoria´s Secret, conhecida griffe de lingerie, usando a canção de Bob Dylan “Love Sick”. No anúncio, a modelo brasileira Adriana Lima passeia pelas pontes de Veneza, usando apenas uma lingerie branca e um par de asas (a coleção chama-se “Angel”), sendo observada a meia-distância por Dylan, que usa seu inevitável terno preto, chapéu preto de cowboy, e o seu visual atual: cabelo meio longo e um bigodinho fino que lembra Vincent Price. Enquanto isto, rolam na trilha sonora os ásperos versos da canção: “Estou doente de amor... você me destruiu com um sorriso, enquanto eu dormia.”

Já visitei uns três ou quatro saites dedicados à obra de Dylan, e a discussão come solta. Dylan todo ano produz uma novidade que vira assunto obrigatório durante os meses seguintes. Já foi cantor de música folk-de-protesto (uma espécie de Vandré americano), depois aderiu à guitarra elétrica, depois virou cantor sertanejo, depois virou cristão, depois virou judeu... Sua obra musical é um diário íntimo exposto à visitação pública.

Às acusações de que fazendo clip para a Victoria´s Secret ele teria “se vendido ao poder econômico”, um ouvinte sensato ponderou que ele faz 20 shows por mês pelas capitais do mundo, e se quisesse se vender, se vendia logo a uma IBM, uma Ford ou uma Microsoft. E um outro lembrou uma entrevista dada por Dylan há mais de 30 anos, quando lhe perguntaram para que tipo de produto ele aceitaria fazer propaganda, e ele respondeu: “Roupas femininas”. E o ouvinte pergunta: “Vocês preferiam que ele anunciasse o que: lingerie, ou comida para gatos?”

É meio pretensioso da minha parte querer adivinhar daqui o que um sujeito está pensando. Mas a Victoria´s Secret está para os EUA como a Du Loren, a Triumph e a Valisère estão para o Brasil. Dylan, que vai fazer 63 anos neste maio, escreveu as canções-de-amor mais maduras da música pop, quilômetros além do sentimentalismo encantador mas juvenil dos Beatles e dos Rolling Stones. Aos 25 anos, ele cantava como um sujeito de 50. Escreveu muita bobagem, como qualquer compositor pop; mas os pontos altos que atingiu não foram atingidos por ninguém mais. Nunca foi um cara bonito, e não é agora, que está parecendo um buldogue molhado de chuva, que vai sonhar em ser símbolo sexual. Ele sabe que, aparecendo ao lado de Adriana Lima (que é uma gracinha) vai parecer mais feio ainda. Ao contrário de Michael Jackson, que entrou num delírio de rejuvenescimento, embelezamento e branqueamento, Dylan quer mostrar a cara que tem.

O enorme contraste entre um homem velho e feio e uma mulher jovem e bonita faz parte da matéria-prima de onde ele extrai há 40 anos sua poesia: os contrastes entre o terrível e o sublime, entre a morte e a vida, entre a verdade e a poesia, entre o poder e o saber. É um mero comercial de roupas-de-baixo, mas nesse universo, onde se celebra sempre a juventude e a beleza, é o rosto devastado do Bardo que silencia os espectadores.

3 comentários:

Anônimo disse...

Realmente a Adriana Lima está uma gracinha. Mas cá pra nós, esses peitos parecem tão falsos quanto as asas...

Braulio Tavares disse...

Há controvérsias. Seria de bom alvitre um exame in loco para comprovar ou desprovar a veracidade de tal afirmação.

Anônimo disse...

Bem.... minha idéia era um pouco mais séria, eu pensava numa discussão sobre os padrões estéticos impostos pela mídia...
Mas confesso que a proposta em pauta me parece uma boa opção.