domingo, 9 de março de 2008

0146) O matagal nos jardins do idioma (9.9.2003)



(Ilustração: o manuscrito Voynich)

A língua brasileira é muito rica e, como não poderia deixar de ser, tem certas curiosidades que me deixam intrigado. Como por exemplo essa frasezinha aí em cima, entre vírgulas. É tão dispensável quanto o nosso apêndice vermiforme, mas, tal como ele, parece que só pode ser extirpada do nosso discurso à base de bisturi. Pela minha lógica, quando uma coisa não poderia deixar de ser desta ou daquela forma, o que ela é de fato torna-se tão óbvio que deveria dispensar este comentário; mas não é o que acontece. “O Senador Fulano e o Ministro Sicrano encontraram-se para jantar em Brasília e, como não poderia deixar de ser, conversaram sobre a reforma tributária.” Creio que um “naturalmente” ou um “é claro” cumpririam a mesma função, chamando menos a atenção para o fato de que se está dizendo uma coisa auto-evidente. Esta frase parece-se muito com o francês “ça va sans dire”, onde se diz que não era preciso dizer algo que acabou sendo dito porque era mesmo necessário.

Já uma erva daninha que vive a se infiltrar pelas frestas do discurso oral é o tal “enfim”. No começo era usado para encerrar uma enumeração que se estendia demais, mas agora já substitui a própria enumeração. Dizia-se: “Este curso de informática tem como público-alvo professores, estudantes, jornalistas, escritores, secretárias, enfim – todas as pessoas que lidam diariamente com a palavra escrita”. O “enfim” surgia como uma palavra mágica que queria dizer “Chega, tá bom, vamos interromper esta lista senão ela não acaba mais”. Era até uma expressão meio antipática, indicando uma certa impaciência de quem falava, além de certa subestimação da inteligência do interlocutor; como se a pessoa estivesse dizendo: “... enfim – acho que você já entendeu, posso parar de exemplificar?” Pois hoje em dia a impaciência parece ter aumentado, porque o que ouço com mais freqüência são frases como: “A gente decidiu fazer essa reunião para... enfim, discutir o projeto”, “Nós queremos um roteiro que chame a atenção para... enfim, o Meio Ambiente.” “Eu acho que a música brasileira de hoje... enfim, é uma grande mistura de ritmos.”

E tem “e por que não dizer”, uma das cadeias verbais mais redundantes do idioma. “Istambul é uma cidade exótica, movimentada, misteriosa, atraente, e por que não dizer, moderna.” Deve ter surgido quando um belo dia alguém estava enumerando elementos e de repente percebeu que o próximo elemento que se preparava para citar poderia ser objeto de dúvida ou de questionamento por parte de algum leitor. Reconhecendo que o estranhamento do leitor se justificava, o redator, ainda assim, julgou-se autorizado, pelos seus próprios critérios, a incluir aquele detalhe em seu arrazoado. Surgiu daí esta insidiosa expressão que se embosca por entre os teclados do país inteiro, pronta a saltar sobre redatores inexperientes, apressados, distraídos, desprevenidos, e por que não dizer, preguiçosos assim como eu.

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