domingo, 9 de março de 2008

0130) O otimista (21.8.2003)



O otimista foi satirizado por Voltaire no Cândido, através do Dr. Pangloss, o sábio para quem qualquer coisa que acontecesse servia como prova cabal de que vivemos no melhor dos mundos possíveis. 

Como Voltaire não deixou caco sobre caco deste patético personagem, o otimismo de hoje trocou de discurso, e em geral aparece associado a uma crença qualquer, seja ela política, religiosa ou científica. Um otimista típico de nosso tempo é o americano médio, que acredita na vitória pacífica do Republicanismo Protestante Militar. 

No lado científico, há os que crêem que algo milagroso vai acontecer nos laboratórios e resolver todos os nossos problemas. Décadas atrás era a energia nuclear, hoje são a Biotecnologia e a Engenharia Genética.

Esses, no entanto, são os otimistas por atacado, aqueles que trabalham em escala macro, e podem se dar o luxo de passar a vida inteira acreditando numa Teoria, porque sabem que, daqui que ela seja provada ou desmentida, “ou morro eu, ou morre o rei, ou morre o burro”. 

O otimista mais interessante como tipo humano é aquele que consegue manter esta atitude dentro da guerra de trincheiras, da carnificina de baionetas que é a vida cotidiana, onde parece que tudo conspira para nos convencer de que o mundo não foi feito para dar certo.

O otimista é, na verdade, um paranóico do Bem, um paranóico que acredita que o Universo inteiro conspira a seu favor. Ele é capaz de conceber as mais rebuscadas explicações para justificar sua fé em hipóteses pouco confiáveis. 

O otimista estaciona o carro numa rua escura e bate descuidadamente a porta, sem travar. A gente avisa a ele para ter mais cuidado, e ele diz: “Ora, quem vai se dar o trabalho de roubar um Gol velho, com aquele Santana dando sopa ali na frente?” 

O otimista começa a tossir, tem um pouco de febre, e em lugar de pensar se está com tuberculose ou com a Pneumonia Asiática, diz: “Foi aquele sorvete de ontem, ainda bem que só tomei um pouquinho e amanhã vou estar bom.”

O otimista ouve no “Jornal Nacional” que o Governo vai conceder um aumento de tanto por cento para a categoria dele; faz um cálculo rápido com lápis e papel, e no dia seguinte já compra um DVD no crediário. Faz compras pela Internet fornecendo o número do cartão de crédito, e se dizemos que tome cuidado, ele retruca: “Todos os dias circulam pela Internet 11 milhões de números de cartão de crédito. Por que me preocupar?” 

Às vezes não resistimos, e ironizamos: “Ah, quer dizer que essas coisas só acontecem com os outros?” Ele responde: “Não necessariamente, mas acontece que eu só sou um, e os outros são seis bilhões. Então...” Contra uma lógica de ferro como esta, é difícil argumentar. Melhor deixá-lo em paz. 

Afinal de contas, se metade do progresso tecnológico humano se deve aos preguiçosos (“deve haver uma maneira mais fácil de fazer isto”), todo o nosso progresso social se deve a estes curiosos personagens, que acham que alguma coisa pode dar certo num mundo errado como este.






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