domingo, 9 de março de 2008

0127) O Catatau (17.8.2003)




O Catatau de Paulo Leminski (Curitiba, edição do autor, 1975; reeditado em 1989 pela Sulina, de Porto Alegre) é chamado de romance, por ser um texto em prosa com mais de 200 páginas. Afora isto, o livro assusta o leitor desprevenido. 

“Era um povo tão preguiçoso que só falava palavras oxítonas e deixava para parábolas o que podia ter sido profecia.” (p. 192) 

O livro é um parágrafo único, um monólogo interior cujo protagonista chama a si mesmo de Renatus Cartesius. É o filósofo René Descartes, que teria vindo ao Brasil com Maurício de Nassau. 

“Que espécie de lugar é este que nos pergunta onde estamos?” (p. 112) 

Em contato com a natureza tropical de Pernambuco, e com uma erva alucinógena fumada pelos nativos, entra num prolongado delírio. 

“Fumar isto dá uma fome!” (p. 14) 

E o livro se derrama, num dilúvio joyceano e concretista.

Leminski foi um dos melhores poetas minimalistas do Brasil – muitíssimo melhor, por exemplo, do que Oswald de Andrade, de quem era meio discípulo. 

“Posso me enganar, o que ninguém pode é se enganar por mim.” (p. 21) 

 Foi também um dos nossos melhores teorizadores de poesia. Tendo sido professor de português e redator publicitário, tinha facilidade em dizer as coisas de maneira simples. 

“As coisas só caem no esquecimento quando subiram muito alto no entendimento.” (p. 68) 

Era um prodigioso fazedor de frases, e esta talvez seja a melhor coisa do “Catatau”: as incontáveis frases engraçadas, paradoxais, satíricas, absurdas, sarcásticas, líricas, de que o livro é composto. 

“Antes adorava um deus maior que eu; agora, adoro uma brincadeira.” (p. 150)

Poliglota, tradutor de John Lennon e de poetas japoneses, parceiro musical de Caetano Veloso e de Morais Moreira, Leminski, que tinha sangue negro e descendia de polacos, sempre foi uma figura meio escandalosa na pacata Curitiba. 

“O futuro vem de fora. Dentro, está que é uma atualidade só” (p. 192) 

 No Catatau, ele usa o choque cultural entre o racionalismo europeu e o surrealismo dos trópicos para falar também de suas próprias contradições. 

“Senhores, mecenhores, não mereço tanto, tudo é efeito do sol na febre com fome!” (p. 66) 

Tinha um temperamento polêmico, expansivo, capaz de imensa objetividade e de circunlóquios barrocos. “Catatau” é a obra que melhor exprime a catadupa linguística do seu pensamento. 

“Faço tudo de que sei que não vou me arrepender, mas é que não me arrependo nunca do que fiz com essa determinação.” (p. 90)

Quase três décadas após seu lançamento, o Catatau mereceu análises de José Miguel Wisnik, Antonio Risério e muitos outros; um bom lugar para começar a pesquisá-las é o saite “Kamiquase”  (http://www.elsonfroes.com.br/kamiquase/nindex.htm). 

Leminski publicou romances, poesia, ensaios, traduções de Walt Whitman, William Blake, John Fante, Samuel Beckett. Morreu de cirrose em 1989, aos 44 anos. 

“Vício, forma mais violenta de estar vivo: bom senso e boa sensação, incompatíveis!” (p. 48)








Um comentário:

Unknown disse...

que lindo, Bráulio.
Leminski é figura lindíssima da nossa cena poética-tropical.
viço-vício...