domingo, 9 de março de 2008

0132) A linguagem do maluco (23.8.2003)




É como dizia aquele monitor no meu tempo de Faculdade: “Eu não sei se entendi, mas posso explicar.” 

A capacidade de verbalização do ser humano é uma coisa impressionante. Você pergunta a um técnico de futebol por que motivo o time leva uma goleada atrás da outra e ele diz: “A gente precisa projetar o resultado negativo dentro de um contexto. Ele pode ser positivo amanhã, na medida em que torna os nossos parâmetros mais realistas. E uma pessoa que tem parâmetros realistas está a um passo do sucesso.” Pronto! Tá resolvido o problema. Avisa ao garoto do placar.

Nessas horas, eu penso que nossa capacidade de explicar está na razão inversa da nossa capacidade de entender. E aí me vem à mente a linguagem usada pelos malucos-beleza de um modo geral. 

Como sabe todo leitor de Aldous Huxley e de Carlos Castañeda, a experiência com as drogas alucinógenas tem muitos pontos em comum com a experiência mística de contato com a Divindade, ou, pelo menos, com o Inefável, o Inexprimível, o Indescritível. É uma experiência que transcende a nossa capacidade de verbalização. 

No momento da iluminação, entendemos tudo: o universo, a eternidade, o espaço, o tempo e o eu. O problema é contar para os outros na manhã seguinte.

Vai daí que os Malucos (o apelido carinhoso dos que costumam vibrar em uníssono com o Diapasão do Cosmos) têm uma característica em sua linguagem: a Recusa de Nomear. A Fuga ao Substantivo. O Pudor ante a Coisa-em-si, “das Ding an Sich”. 

Vou dar um exemplo. Você encontra um Maluco, começa a conversar sobre isso e aquilo. É um sábado de sol, perto da praia, está fazendo calor, aí você propõe: “Bora tomar uma cerveja?” E ele concorda: “É uma.” É uma o quê? É uma boa idéia, é uma proposta interessante... Mas o Maluco dispensa estes complementos; depois do "é uma”, vem um ponto final inequívoco. 

Ele não precisa dizer as coisas até o fim: o fim foi vislumbrado, foi captado, foi compreendido, e consequentemente foi catapultado para o Plano Superior do Indizível.

O Maluco está contando a você que hospedou um primo que tinha vindo à procura de emprego na cidade, e se queixa de que o primo não quer nada com nada: “Eu chego todo dia em casa, e ele tá lá, na maior.” Na maior o quê? Na maior folga, na maior boa-vida, na maior descontração... 

Mas não precisa dizer. Se todo mundo já entendeu num vôo telepático, pra quê um recurso tão pedestre quanto a verbalização? 

O discurso do Maluco tem a forma de uma rosquinha: é um círculo sem centro. O seu Centro, ou seja, a Coisa a que ele se refere, é rodeada de complementos, mas nunca é dita. 

Você pergunta como foi o show de Fulano, e ele explica: “Foi demais.” Não diz se foi bom demais, animado demais, bem-produzido demais... Não diz o que foi, apenas registra que o foi com intensidade. 

O Maluco não precisa dizer a essência das coisas, pois já se embebeu dela com tal intensidade que ela se tornou algo óbvio. Pra que ficar explicando?






Nenhum comentário: