A tragédia com o foguete VLS no Maranhão está alimentando discussões sobre cortes de verbas, e até teorias da conspiração que vêem no episódio uma possível sabotagem dos norte-americanos, interessados tanto na base de Alcântara quanto em dificultar a autonomia espacial brasileira. (Veja-se o saite www.relatorioalfa.com.br)
Enquanto fatos mais claros não vêm à tona, eu não consigo parar de pensar nas vítimas. Ao ver no jornal aquelas 21 fotos e resumos de carreira eu nem pensei nos pais de família que ali estavam. Quer dizer, pensei, todo mundo pensa; mas todo mundo pensou nisso, e eu acho que pensei algo que poucas pessoas terão pensado. Olhei aqueles rostos sérios e pensei: “Aqui deve ter pelo menos meia dúzia de leitores de ficção científica.” Espero que os caros leitores perdoem minha deformação profissional; mas acontece que eu pertenço a uma minoria, e como hoje em dia toda minoria se sente no direito de pavonear-se ante os holofotes da mídia, porque não a nossa?
O leitor de ficção científica é um cara para quem o futuro existe. É um cara que desde a infância percebeu que o mundo não vai ser sempre a mesma coisa. Todo velho vive se queixando: “no meu tempo era diferente...” Eu sou velho às vezes, e também me queixo às vezes, mas o que me cura da velhice e do queixume é ter lido Julio Verne aos 13 anos, H. G. Wells aos 14, Ray Bradbury aos 15. Meu mundo se alargou, minha responsabilidade por ele se alastrou para além do Açude Velho e do Oceano Atlântico, estendeu-se Sistema Solar afora, expandiu-se pela Via Láctea e fincou postos avançados nas nebulosas distantes. Eu entendi que pelo simples fato de estar vivo aquilo tudo me pertencia, como se fosse uma Capitania Hereditária que Deus tivesse jogado no meu colo dizendo: “Esse mundo é teu. Te vira.”
Acho um crime alguém dizer: “O Brasil não tem nada que fazer projeto espacial. Isso é coisa pros americanos, pros europeus.” Está errado. Críticas aos projetos espaciais são legítimas, como aliás a qualquer projeto científico que envolva imensas despesas e grandes riscos; dúvidas quanto à possibilidade real de colonização do Sistema Solar, idem. Eu mesmo tenho muitas. Mas que se critiquem os projetos todos, que se diga: “A Humanidade inteira tem que cuidar daqui de baixo”. Nunca que se abaixe a crista e se diga, com a resignação dos capachos: “Deixa isso para os americanos, porque eles são melhores do que nós”.
O projeto espacial pertence a todos os garotos e garotas que um dia leram Arthur C. Clarke e se sentiram donatários do Sistema Solar. Pertence a todos os que, como Santos Dumont, acreditaram que o sonho de Julio Verne não era privilégio dos franceses, mas pertencia também a um brasileiro que ousou sonhar e ousou fazer. Eu olho as fotos daqueles 21 caras e saúdo todos os que acreditaram que é possível olhar de perto as estrelas, que tiveram o sonho de saltar no abismo, que não tiveram medo do Fogo Sagrado no centro do Sol.
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