(George Turner, "Snowstorm")
Uma coincidência é um mote que o Acaso joga na bandeja à nossa frente: “Quê que tu consegue fazer com isso aí?...” É uma dica, uma provocação. Ontem li em dois lugares totalmente diferentes (um artigo de J. C. Avellar sobre cinema numa revista, um texto sobre pintura figurativa na Internet) referências a um mesmo episódio. Em 1842, o pintor inglês George Turner, famoso pelas suas pinturas marítimas, fêz-se amarrar ao mastro de um navio, durante uma tempestade, para poder contemplar a fúria dos elementos sem correr o perigo de ser arremessado para fora do tombadilho por algum vagalhão mais impetuoso. Aguentou por 4 horas o sacrifício, em nome de arte, e produziu uma bela pintura intitulada “Snow Storm”.
A imagem do indivíduo atado ao mastro é um episódio da “Odisséia”. Ulisses ordena aos seus marinheiros que ponham cera nos ouvidos e que o amarrem ao mastro. Assim, os marinheiros remam sem ser perturbados, e ele pode conhecer o canto das sereias sem atirar-se ao mar em busca delas, como faziam todos os que se aventuravam por aqueles mares. Eu mesmo publiquei um poema inspirado neste episódio (“Bilhete cínico aos trabalhadores”, no livro “Balada do andarilho Ramón”).
Em síntese, essa imagem representa o artista que quer chegar perto do abismo, mas quer também ter a certeza de voltar. Pelo bem da arte, ele quer ter uma experiência transcendente e perigosa, mas quer fazê-lo cercado de algumas garantias. Parece haver nisto uma certa covardia, mas existe lógica: se o artista morrer durante a experiência, ela terá sido em vão, porque ele não foi capaz de retratá-la numa obra de arte. O objetivo do artista é a obra, ou seja, a “reportagem do que aconteceu”, e não a experiência em si. Quando Aldous Huxley, em maio de 1953, tomou quatro decigramas de mescalina dissolvidas em meio copo dágua, ele o fêz acompanhado da esposa e de um cientista que pesquisava o efeito das drogas, e gravou em fita tudo que foi conversado naquela manhã – o que lhe serviu de base para o livro “As portas da percepção”.
Jean-Paul Sartre foi outro que experimentou a mescalina antes que ela fosse transformada em modismo na era Woodstock. Em 1935, ele tomou mescalina e teve terríveis alucinações com monstros e caranguejos que o perseguiam. Há relatos de que ele julgava ver um enorme orangotango espreitando-o do lado de fora da janela (fico imaginando se não seria influência do filme “King Kong”, lançado dois anos antes). Uma parte do impacto mental desta experiência foi reconstituído em A Náusea, que é tanto um romance existencialista quanto um relato de estado alterado de consciência. Em Beyond the Outsider, o livro em que descreve sua própria experiência com mescalina, Colin Wilson observa que a experiência de Huxley foi próxima de uma iluminação mística, e a de Sartre uma verdadeira “bad trip”. Por mais que se tomem precauções, ninguém volta ileso de uma descida ao abismo, porque no fundo de todo abismo existe um espelho.
A imagem do indivíduo atado ao mastro é um episódio da “Odisséia”. Ulisses ordena aos seus marinheiros que ponham cera nos ouvidos e que o amarrem ao mastro. Assim, os marinheiros remam sem ser perturbados, e ele pode conhecer o canto das sereias sem atirar-se ao mar em busca delas, como faziam todos os que se aventuravam por aqueles mares. Eu mesmo publiquei um poema inspirado neste episódio (“Bilhete cínico aos trabalhadores”, no livro “Balada do andarilho Ramón”).
Em síntese, essa imagem representa o artista que quer chegar perto do abismo, mas quer também ter a certeza de voltar. Pelo bem da arte, ele quer ter uma experiência transcendente e perigosa, mas quer fazê-lo cercado de algumas garantias. Parece haver nisto uma certa covardia, mas existe lógica: se o artista morrer durante a experiência, ela terá sido em vão, porque ele não foi capaz de retratá-la numa obra de arte. O objetivo do artista é a obra, ou seja, a “reportagem do que aconteceu”, e não a experiência em si. Quando Aldous Huxley, em maio de 1953, tomou quatro decigramas de mescalina dissolvidas em meio copo dágua, ele o fêz acompanhado da esposa e de um cientista que pesquisava o efeito das drogas, e gravou em fita tudo que foi conversado naquela manhã – o que lhe serviu de base para o livro “As portas da percepção”.
Jean-Paul Sartre foi outro que experimentou a mescalina antes que ela fosse transformada em modismo na era Woodstock. Em 1935, ele tomou mescalina e teve terríveis alucinações com monstros e caranguejos que o perseguiam. Há relatos de que ele julgava ver um enorme orangotango espreitando-o do lado de fora da janela (fico imaginando se não seria influência do filme “King Kong”, lançado dois anos antes). Uma parte do impacto mental desta experiência foi reconstituído em A Náusea, que é tanto um romance existencialista quanto um relato de estado alterado de consciência. Em Beyond the Outsider, o livro em que descreve sua própria experiência com mescalina, Colin Wilson observa que a experiência de Huxley foi próxima de uma iluminação mística, e a de Sartre uma verdadeira “bad trip”. Por mais que se tomem precauções, ninguém volta ileso de uma descida ao abismo, porque no fundo de todo abismo existe um espelho.
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