sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

3422) Jardins imaginários (14.2.2014)



(Ilustração: Roberto Kusterle)

Discutindo um projeto do autor Norman Spinrad, o editor Lou Aronica (Bantam Books) observou que em histórias fantásticas bem sucedidas “a história emocional é realista, não importa se os acontecimentos que produziram as emoções o sejam ou não.”  O que Aronica diz (e que Norman Spinrad aproveita para comparar com o Realismo Mágico latino-americano) é que a semântica da história pode ser fantástica, mas a sintaxe deve ser realista, deve reproduzir a sintaxe das emoções humanas. As pessoas temem o poder de um mago, de um cientista, de um artista genial, porque temem o poder. A pessoa está lá para dar um recheio semântico a essa estrutura. Tensão e descarga. Perplexidade, alumbramento, raciocínio e decifração do mistério. Suspense e resolução. Imagens arquetípicas capazes de despertar o riso, o temor, a compaixão, a simpatia, o entusiasmo. Essa é a sintaxe emocional do romance que, sendo verdadeira, sendo semelhante à da vida, nos torna capazes de entender e aceitar as histórias. Não importa se elas estão povoadas de alienígenas fulvos, magos ectoplásmicos, chapeleiros doidos ou insetos pensantes.

Talvez fosse algo assim que Marianne Moore tinha em mente quando num poema famoso se referiu a “imaginary gardens with real toads in them”, jardins imaginários cheios de sapos verdadeiros. (Mario Quintana referiu-se certa vez a “falsas confidências e sentimentos verdadeiros”, o que é uma fórmula parecida.) Basta a existência vulgar, cotidiana e plebéia desses sapos para pingar um realismo indelével no jardim mais metido a fantasioso.  Eles entram na receita como uma garantia de verdade, um contrapeso de matéria real, irrecusável, do tipo é-pegar-ou-largar. 

Um jardim com sapos é um jardim com surpresas, com armadilhas, com perigos. Não é um jardim para “wish fulfillment”, para a gratificação plena de desejos sem que nenhum preço seja pago.  O que deve ter encantado muitos leitores do fantástico latino-americano é o modo espontâneo como nossos melhores autores conseguem subordinar o jardim aos sapos; dobrar a verossimilhança superficial dos fatos da fábula até deformá-los pela presença dos campos gravitacionais poderosos que são as emoções, as crenças e os impulsos de-dentro-para-fora dos seus personagens.

Existe uma lógica subjacente aos textos de Garcia Márquez, Cortázar, Astúrias, etc., a lógica de uma verdade subjetiva que o leitor aceita, e aceita inclusive quando essa lógica abusa das leis da probabilidade ou rompe as convenções de espaço e tempo. Se o sentimento é verdadeiro, pouco importa o que o provoca.  Se o sentimento é verdadeiro, o que o provoca nem precisa ser possível.


2 comentários:

Anônimo disse...

Sem dúvida o realismo mágico é o surrealismo são formas muito interessantes de fazer histórias. Que pena que no Brasil ( produção atual) não vejo o surrealismo e nem o realismo mágico bonbando. Fica os autores cada vez mais preocupados com receitas que dão já um sucesso imediato do que querer arricar de verdade.

JOSÉ GASPAR disse...

Otimo texto!!