(Ilustração: Roberto Kusterle)
Discutindo um projeto do autor Norman Spinrad, o
editor Lou Aronica (Bantam Books) observou que em histórias fantásticas bem
sucedidas “a história emocional é realista, não importa se os acontecimentos
que produziram as emoções o sejam ou não.”
O que Aronica diz (e que Norman Spinrad aproveita para comparar com o
Realismo Mágico latino-americano) é que a semântica da história pode ser
fantástica, mas a sintaxe deve ser realista, deve reproduzir a sintaxe das
emoções humanas. As pessoas temem o poder de um mago, de um cientista, de um
artista genial, porque temem o poder. A pessoa está lá para dar um recheio
semântico a essa estrutura. Tensão e descarga. Perplexidade, alumbramento,
raciocínio e decifração do mistério. Suspense e resolução. Imagens arquetípicas
capazes de despertar o riso, o temor, a compaixão, a simpatia, o entusiasmo.
Essa é a sintaxe emocional do romance que, sendo verdadeira, sendo semelhante à
da vida, nos torna capazes de entender e aceitar as histórias. Não importa se
elas estão povoadas de alienígenas fulvos, magos ectoplásmicos, chapeleiros
doidos ou insetos pensantes.
Talvez fosse algo assim que Marianne Moore tinha
em mente quando num poema famoso se referiu a “imaginary gardens with real
toads in them”, jardins imaginários cheios de sapos verdadeiros. (Mario
Quintana referiu-se certa vez a “falsas confidências e sentimentos
verdadeiros”, o que é uma fórmula parecida.) Basta a existência vulgar,
cotidiana e plebéia desses sapos para pingar um realismo indelével no jardim
mais metido a fantasioso. Eles entram na
receita como uma garantia de verdade, um contrapeso de matéria real,
irrecusável, do tipo é-pegar-ou-largar.
Um jardim com sapos é um jardim com surpresas,
com armadilhas, com perigos. Não é um jardim para “wish fulfillment”, para a
gratificação plena de desejos sem que nenhum preço seja pago. O que deve ter encantado muitos leitores do
fantástico latino-americano é o modo espontâneo como nossos melhores autores
conseguem subordinar o jardim aos sapos; dobrar a verossimilhança superficial
dos fatos da fábula até deformá-los pela presença dos campos gravitacionais
poderosos que são as emoções, as crenças e os impulsos de-dentro-para-fora dos
seus personagens.
2 comentários:
Sem dúvida o realismo mágico é o surrealismo são formas muito interessantes de fazer histórias. Que pena que no Brasil ( produção atual) não vejo o surrealismo e nem o realismo mágico bonbando. Fica os autores cada vez mais preocupados com receitas que dão já um sucesso imediato do que querer arricar de verdade.
Otimo texto!!
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