sábado, 9 de fevereiro de 2013

3105) O poema inconsciente (9.2.2013)





Falamos em mente consciente e mente inconsciente como se fossem duas coisas distintas, mas talvez elas sejam apenas como um jardim que a certa hora da tarde é batido parcialmente pelo sol. Uma parte fica iluminada e visível, e a outra mergulhada na sombra. Não a vemos direito porque o brilho da primeira deixa nossos olhos acostumados, e tendemos a pensar que o resto não está ali. 

Mas não são dois espaços diferentes.  O jardim é um só.


Manuel Bandeira conta, no seu Itinerário de Pasárgada, sobre alguns versos que compôs num estado alterado de consciência. O mais conhecido é o poema “Oração no Saco de Mangaratiba”, poeminha curto que era para ser muito maior. 

Diz ele que vinha voltando de barco de Mangaratiba, à noite, cansadíssimo, quando 

“...numa espécie de subdelírio de imensa fadiga, todo um poema, o mais longo que já se formou na minha cabeça, começou a fluir dentro de mim. O meu esgotamento era tal, que não tive ânimo para tomar o menor apontamento. Pensei poder recompor os versos em casa. Mal cheguei, caí no sono... Quando acordei, só me restavam na memória os seis versos da oração, única estrofe regular do poema, que era no mais em verso livre. Nunca me consolei desse desastre”.

O primeiro aspecto interessante é o estado alterado de consciência produzido pelo cansaço; algo que muitos artistas e escritores, inadvertidamente, procuram, quando “viram a noite” escrevendo, tomando drogas, sem dormir, etc. Por paradoxal que pareça, certos tipos de cansaço físico parecem deixar a mente mais livre para pensar e para criar em paz. 

O segundo aspecto, notado pelo próprio Bandeira, é o fato de que os trechos em verso livre foram esquecidos, mas ele conseguiu lembrar o único trecho “regular” (=com métrica e rima). O fragmento final, que foi salvo, diz: 

“Nossa Senhora me dê paciência 
para estes mares para esta vida! 
Me dê paciência pra que eu não caia 
pra que eu não pare nesta existência 
tão mal cumprida tão mais comprida 
do que a restinga de Marambaia!”.

Todos sabem que é mais fácil decorar algo rimado e metrificado do que um texto solto. A métrica e a rima se gravam em outro departamento do cérebro, talvez, um setor responsável pela memorização de estruturas regulares, que, por assim se dizer, memorizam-se a si mesmas, impõem uma regularidade. Uma rima chama a próxima, a cadência regular do metro define o tamanho e a acentuação dos trechos que vêm a seguir. 

O que dá mais pena é sabermos que todo o texto esquecido por Bandeira poderia ter sido recuperado através de algum tipo de exercício mental, quem sabe até através de hipnotismo. Na mente nada se perde, tudo vai para o sótão.







3 comentários:

Anônimo disse...

Têm vezes em que eu fico pensando que, escritores do tipo: Lewis Carroll, Gustav Meyrink, Kafka, Lovecraft, se eles, não tinham algum transtorno, ou alguma doença não diagnosticada. O clima de suas obras de tão original faz qualquer um senti dentro de um sonho, ou de um pesadelo. Particulamente eu adoro romances e contos que nos levam num estado de onirismo.

Tomás Rosa Bueno disse...

Em para estes mares para esta vida!, conto sete ou onze sílabas, nunca nove, como os outros cinco versos. É assim mesmo?

Tomás Rosa Bueno disse...

Esquece, já me desemburraram.