quinta-feira, 15 de julho de 2010

2269) Aruanda 50 anos (16.6.2010)



Nossos vizinhos pernambucanos, com sua conhecida modéstia, costumam dizer que em Recife os rios Capibaribe e Beberibe se juntam para formar o Oceano Atlântico. Nós não ficamos atrás, pois já vi paraibanos branquelos e de óculos afirmarem que Augusto dos Anjos inventou a poesia de ficção científica, e que Aruanda de Linduarte Noronha criou o Cinema Novo brasileiro. Já correu um Açude Velho de tinta comentando esse filme, e não sei se tenho algo de novo a dizer. Do que já foi dito, lembro as palavras de Jean-Claude Bernardet em Brasil em Tempo de Cinema, palavras que durante muitos anos foram repetidas como um mantra por todos os pretendentes a cineastas da minha geração, sem um centavo no bolso e com muitas idéias na cabeça:

“Vindo das lonjuras da Paraíba, Linduarte Noronha dava uma resposta das mais violentas às perguntas: Que deve dizer o cinema brasileiro? Como fazer cinema sem equipamento, sem dinheiro, sem circuitos de exibição? Tais eram as perguntas que surgiam de norte a sul do país. (...) O que fazer? “Aruanda” o dizia. Como fazer? Também o dizia.”

Jean-Claude recoloca essas questões em seguida. Ele diz, por exemplo, que as deficiências técnicas de Aruanda tiveram função dramática, mas que isso não vale para todos os filmes. Ou seja: não se pode criar uma cinematografia complexa, variada, onde caibam desde os blockbusters até os filmes-de-arte, desde os entretenimentos médios até os filmes B, baseando tudo na estética aruandense, ou na “estética da fome” glauberiana. Mas do nosso ponto de vista o cinema industrial era tão inacessível quanto a Praça dos Três Poderes. Era uma briga de cachorro grande. O que muita gente da nossa geração queria era uma fórmula que servisse para justificar o cinema que tínhamos condições de sonhar fazer. Um cinema forçosamente tosco, precário, assumindo com despudor a precariedade técnica. Um cinema zombando do cinema bem-feito, por sua pretensão, e mangando de si mesmo, por sua falta de poder. Visto por este ângulo, Aruanda prefigura, com sua estrutura de produção “não-tem-tu-vai-tu-mesmo” até mesmo o cinema “udigrudi” dos anos 1970, os filmes de Sganzerla, Bressane, Rosemberg, e tantos outros capazes de fazer um filme por cima de pau e pedra, com meia dúzia de amigos e de latas de negativo.

Aruanda não criou o Cinema Novo (afinal de contas, é posterior a Rio 40 Graus, O Grande Momento, etc.), mas influenciou todo o Cinema Novo que veio depois dele, influenciou o cinema marginal dos anos 1970 e influencia os jovens que hoje empunham uma câmara digital e vão em busca da “realidade rude”, como dizia Régis Frota. Digo que influencia porque sabemos que uma obra só influencia quem a vê. Uma obra só influencia quando existe, quando foi mesmo feita, quando se tornou um Fato Consumado. José Sanz dizia: “Cinema não se discute, faz-se”. Aruanda nos ensinou: criem um fato consumado, e o futuro nunca mais se verá livre dele.

Um comentário:

JoonBarros disse...

Você falou sobre o quando já se escreveu sobre Aruanda, mas fiquei pensando aqui no que ainda não se fala sobre o cinema paraibano. Recentemente ouvi um interessantíssimo episódio do podcast Radio Novelo, onde falaram sobre filmes paraibanos em super-8 redescobertos. Quais filmes/diretores/marcos do cinema paraibano você diria que deveriam ser mais vistos/estudados?