quinta-feira, 15 de julho de 2010

2270) Trotsky fala de Maiakóvski (17.6.2010)




Uma antologia de Maiakóvski que comprei recentemente (Poemas 1913-1916, Ed. Visor, Madrid, 1993) traz, além da tradução espanhola de vários poemas (alguns dos quais nunca vi traduzidos em português) um prefácio de Leon Trotsky, que dá uma visão interessante e de época sobre o poeta da camisa amarela. 

O texto de Trotsky certamente não foi destinado a ser um prefácio; parece ser um trecho de uma obra maior, pelas referências que faz. Deve ser um capítulo numa análise mais longa da poesia russa daquele tempo. Suas opiniões são importantes porque Trotsky era o lado culto, cosmopolita, “artístico” da cúpula revolucionária soviética. O próprio Lênin não se comparava a ele em termos de cultura geral e literária. 

Lênin (a quem Maiakóvski dedicou numerosos elogios e pelo menos um grande poema) via com olhos atravessados o vanguardismo do poeta futurista; era um leitor dos poetas da velha guarda como Pushkin, e podemos imaginar que via Maiakóvski com os mesmos olhos com que a esquerda brasileira, nos anos 1960, via gente como Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Trotsky critica os poemas de Vladimir, mas o faz com conhecimento de causa e percepção. Diz ele: 

“Maiakóvski chegou [à Revolução] pelo caminho mais curto, o da boemia rebelde e perseguida. Para Maiakóvski, a revolução foi uma experiência verdadeira, real e profunda, porque caiu como raios e trovões cobre aquelas coisas que Maiakóvski odiava à sua maneira e com as quais não se reconciliou”. 

Mas ressalva: 

“Seus sentimentos subconscientes para com a cidade, a natureza, o mundo inteiro, não são os de um operário, mas os de um boêmio. (...) O tom cínico e impiedoso de muitas imagens, especialmente do seu primeiro período poético, denuncia as marcas visíveis do cabaré artístico, dos cafés literários e de tudo que isto significa”.

Trotsky procede a um desmonte completo do poema “150 Milhões”, uma glorificação da Revolução Soviética, no qual, entretanto, ele vê apenas equívocos e exageros, os exageros típicos de quem glorifica a Revolução num tom panfletário, caricatural, tão exagerado que acaba por denunciar a pouca identificação do autor para com ela. 

Diz Trotsky: ´

“Em Maiakóvski, cada frase, cada expressão, cada imagem trata de ser o clímax, o máximo: por isso o conjunto não tem clímax. (...) Apesar de suas hipérboles trovejantes, encontra-se nessas imagens gratuitas e primitivas uma espécie de afetação, parecida com a que os adultos adotam com as crianças”.

Os numerosos exemplos citados por Trotsky corroboram essa crítica, mostrando que, para ele, o individualismo exacerbado do poeta o fazia falar com brilhantismo de si próprio mas perder-se em imagens mirabolantes ao tentar assumir um ponto de vista coletivo. 

Ainda assim, Trotsky elogia poemas como “A Nuvem de Calças”, e diz do poeta: 

“Muitas de suas imagens, frases e expressões entraram para a Literatura e permanecerão nela durante muito tempo, se não para sempre”.





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