segunda-feira, 16 de novembro de 2009

1374) Onomatopéias (9.8.2007)



(Roy Lichtenstein)

Podemos aprender muito sobre a formação das línguas estudando as onomatopéias, aquelas palavras que procuram reproduzir um som. “Bang” é uma onomatopéia inglesa que reproduz um tiro de arma de fogo, e é uma palavra reconhecível internacionalmente. Nossa nordestiníssima “Pêi” não tem a mesma fama, mas tem a mesma eficácia. Pense numa expressão eloqüente como “Pêi-bufo”. Existe maneira mais descritiva e mais sonora de dizer “tiro e queda”?

Vejam agora a palavra “pipôco” (que os cearenses, p. ex., dizem “papôco”). É uma onomatopéia? Eu creio que sim, porque ela reproduz uma coisa que acontece com freqüência: uma pequena detonação seguida de outra muito mais forte. É o martelinho da espingarda estalando a espoleta (“pi”), e depois o tiro propriamente dito (“pôu”). Algum lexicógrafo virginiano virá me perguntar por que então a palavra não é “pipôu” apenas. E eu responderei que assim seria, se quem inventasse as palavras fossem os lexicógrafos. Mas não é. Essas palavras são uma criação coletiva e aleatória do Povo, e em tais processos a gente só deve tentar explicar as coisas até um certo ponto. Depois, nem Freud explica.

Eu mesmo considero que algumas onomatopéias são erradas. Vejam a palavra “tchibum”, o ruído de alguém mergulhando nágua de certa altura. Está errada. Era para ser algo como “bum-tchi”, porque na verdade ouvimos primeiro a queda pesada do corpo, e depois o espalhar da água que foi jogada ao ar, voltando a cair na superfície. Em casos assim, O Povo me desculpe, mas O Povo errou. Por outro lado, a palavra “atchim” para exprimir um espirro está certíssima: primeiro o ar sendo aspirado para encher os pulmões, e depois a descarga.

Na canção “Filomena e Fedegoso” cantado por Jackson do Pandeiro tem um verso, falando da roupa comprada pelo matuto no Rio de Janeiro: “Ele diz que comprou no magazim... Pois sim! Como vai, seu vuco-vuco?”. Explicar isso a quem não é nordestino é um drama. Primeiro temos que dizer que “vuco-vuco” é onomatopéia de um movimento implacável e contínuo como o de um serrote serrando uma tábua. Depois, por extensão, qualquer agitação que não pára. Depois, por nova extensão, o mercadinho popular (os atuais camelódromos) onde se vendem produtos baratos e por isto vivem numa agitação febril e permanente, que nunca pára. E por fim tem que explicar que esse “como vai” é uma ironia, cumprimentando a roupa: “Como vai, seu vuco-vuco?” (E eu calculo que dirigir-se a algo inanimado, personificando-o, já é uma parenta da onomatopéia: a “prosopopéia”).

Quando Mestre Fuba compôs o “Hino das Muriçocas do Miramar”, usou a palavra “trelelê”, que eu, pelo menos, desconhecia. Talvez fosse uma gíria comum em João Pessoa, mas eu nunca tinha escutado. E aí eu estava com alguns amigos cariocas escutando a música, e um deles me perguntou: “O que é um trelelê?” E eu dei a única resposta que me pareceu cabível: “É um zum-zum-zum zunindo”. Se ele não entendeu, não posso fazer nada.

Nenhum comentário: