segunda-feira, 16 de novembro de 2009

1373) O apocalipse evangélico (8.8.2007)




Um novo gênero literário está surgindo nos EUA: a ficção científica apocalíptico-evangélica. São livros que têm feito muito sucesso e foram adaptados para o cinema. O nome da série (já com mais de 12 títulos), tirado do primeiro romance, é Left Behind (“Deixados para Trás”). Sua premissa é o fenômeno religioso chamado “the Rapture”, que pode ser traduzido como “rapto”, “arrebatamento”, “abdução”: de um momento para outro, todos os verdadeiros cristãos desaparecem da Terra, levados para o Paraíso, e aqueles que são “deixados para trás” têm que enfrentar um mundo que regride ao caos e à selvageria como num romance de terror de Stephen King, para se redimirem através das boas ações e da fé.

A base dessa crença está em várias passagens bíblicas, como na Primeira Epístola aos Tessalonicenses, cap. 4, versículos 15-16: “Porque o mesmo Senhor com mandato e voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus, descerá do céu: e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro. Depois nós os que vivemos, os que ficamos aqui, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens a receber a Cristo nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor”.

Chamei ao gênero de FC, mas não porque haja uma base científica para essa crença, que é puramente uma questão de fé ao-pé-da-letra no texto bíblico. Mas os temas apocalípticos em geral têm sido terreno literário da FC: guerra nuclear, crise ambiental, invasão alienígena, cataclismos tectônicos... Diferentes receitas de fim-do-mundo foram experimentadas pela FC, de modo que esse apocalipse evangélico guarda pelo menos uma relação de parentesco colateral. O New York Times saudou o romance (de Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins) como uma mistura de Tom Clancy, amor romântico, referências bíblicas e macetes “high-tech”.

O mais engraçado é que a série foi transformada num video-game. “Video-game religioso?”, perguntarão alguns. “Que bom! Até que enfim!” Mas eis a descrição do game (intitulado Left Behind: Eternal Forces), feita pelo jornalista Jonathan Hutson: “Imagine que você é um soldado num grupo para-militar cujo propósito é reconstruir a América numa teocracia cristã, e estabelecer no mundo a visão do domínio de Cristo sobre todos os aspectos da vida. Você recebe armamentos de última geração, e instruções para combater os infiéis nas ruas de Nova York. Sua missão é religiosa e militar: converter ou matar os católicos, os judeus, os muçulmanos, os budistas, os homossexuais, e qualquer pessoa que defenda a separação entre a Igreja e o Estado, especialmente os cristãos moderados. Sua missão é travar uma guerra física e espiritual, e todos os que resistirem devem ser combatidos de forma radical”. Interessante esta curiosa mistura de fundamentalismo pós-11-de-setembro, jogos de guerra, comércio, apocalipse e FC militarista. Não é por nada não, mas se era preciso um sinal de que o fim do mundo está perto, então não precisa mais.


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