segunda-feira, 16 de novembro de 2009

1372) O peso fantástico (7.8.2007)


Um dos atributos mais inquietantes e mais raramente usados na narrativa fantástica é o peso de um objeto ou de uma criatura. Coisas excessivamente pesadas ou excessivamente leves nos produzem uma sensação do estranho, do sinistro, do “uncanny”. 

Lembro-me da antiga lenda a respeito de São Cristóvão, um gigante de bom coração que vivia à beira de um rio, transportando pessoas de um lado para o outro. Um dia aparece um menino que pede para ser carregado. Cristóvão o coloca nas costas mas quando começa a caminhar sente que o peso do menino aumenta extraordinariamente a cada passo dado. No meio do rio, ele já não agüenta mais, é como se o garoto pesasse toneladas. Ele se assusta, pergunta a que se deve aquilo, e o garoto responde que é Jesus Cristo, e que pesa daquela forma porque carrega consigo os pecados da humanidade. 

É uma bela lenda, que admite também o seu reverso, porque já ouvi dizer que o ataúde de um criminoso ou de um suicida costuma ser pesadíssimo, como se estivesse carregado de pedras: é o peso da culpa, do pecado não-expiado. 

O peso sobrenatural foi explorado por Ariano Suassuna num episódio no Folheto 33 do Romance da Pedra do Reino, “O estranho caso do cavaleiro diabólico”. O cantador Lino Pedra Verde está indo para o roçado quando vê no descampado, a certa distância, um Cavaleiro sobrenatural de cuja boca aberta saem sete línguas em forma de serpentes. O Cavaleiro se encaminha em sua direção, e Lino percebe que o seu peso é tal que o chão começa a pender em sua direção: pedras começam a rolar, e é como se todo o chão do planeta se inclinasse na direção do lado onde está o Cavaleiro, devido ao seu peso. 

Mesmo quando há uma explicação científica para isto, a estranheza permanece. É o que se dá no conto de Jorge Luís Borges “Tlon, Uqbar, Orbis Tertius”, em que o narrador começa a perceber que o mundo está sendo invadido por objetos pertencentes a um universo paralelo ao nosso. Um desses objetos é “um cone reluzente, do diâmetro de um dado”. Diz o narrador: 

“Em vão um menino tentou recolher esse cone. Apenas um homem mal conseguiu levantá-lo. Peguei-o na palma da mão por alguns minutos: lembro-me de que seu peso era intolerável e que, depois de retirado o cone, persistiu a pressão. Também me lembro do preciso círculo que me gravou na carne. Essa evidência de um objeto muito pequeno e ao mesmo tempo pesadíssimo deixava a impressão desagradável de asco e medo”. 

A impressão de asco é mais uma reação fisiológica do que moral. Objetos muito pesados ou muito leves distorcem nossa apreensão instintiva de massas, volumes, etc., e entrar em contato com eles é como estar no convés de um navio que oscila. Temos uma sensação de náusea ou de enjôo, porque nosso cerebelo ou nosso labirinto (sei lá qual é o órgão que controla isto) perde o referencial. 

Qualquer distorção na nossa percepção do espaço e do tempo tem uma conseqüência parecida, fazendo nossa fé na realidade cair verticalmente.





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