Prefiro classificar a Música Popular Brasileira de acordo com os assuntos das letras, e não de acordo com os ritmos, até porque estes últimos são muito complicados. Até hoje não sei a diferença entre arrasta-pé e marcha-quadrilha, entre frevo-canção e marcha-rancho, entre mela-cueca e chacundun. Por outro lado, o assunto da letra é visível de imediato, como por exemplo o de hoje: Canção de Passarinho.
Acho que bastaria a obra de Luiz Gonzaga para preencher por inteiro este verbete, porque parece que o sanfoneiro de Exu tomou para si a tarefa de recensear todos os pássaros nordestinos. Começa, é claro, por “Asa Branca” e “Assum Preto”, dupla alvinegra recentemente comentada nesta coluna. Logo em seguida vem, na minha memória afetiva, o famoso “Sabiá”: “A todo mundo eu dou psiu, siu-siu-siu / perguntando por meu bem...” Este é o primeiro, mas existe outro mais remoto, que nem sei se é de Gonzaga, mas minha Tia Adiza cantava maviosamente tardes afora: “Sabiá lá na gaiola fez um buraquinho / voou, voou, voou, voou... / E a menina que gostava tanto do bichinho / chorou, chorou, chorou, chorou // Sabiá fugiu do terreiro / foi cantar no abacateiro / e a menina diz a chorar: / Vem cá, sabiá, vem cá...”
Também é de Gonzaga a ominosa “Acauã” (“Acauã, acauã, vive cantando / durante o tempo do verão / no silêncio da tarde agourando / chamando a seca pro sertão”), a alegre “Pássaro carão” (“Pássaro carão cantou / anum chorou também / a chuva vem cair / no meu sertão...”), a melancólica “Vem-Vem” (“Vivo sempre escutando / a cantiga de vem-vem / quando ouço ele cantando / penso que é você que vem / fico de ôi no caminho / porém não chega ninguém”). Cada um desses pássaros, para o sertanejo, é um profeta instintivo de coisas que vão acontecer: seca, chuva, chegada de alguém.
Se a gente continuar em Gonzaga o dia amanhece. Podemos passar para Jackson do Pandeiro e “Casaca de Couro”, uma de suas canções mais belas (“Xô-xô-xô-xô, casaca de couro / cantando as duas na telha...”). E se estendermos o conceito de “passarinho” ao mais amplo de “ave”, temos Jackson com “O Canto da Ema” (“A ema gemeu / no tronco do juremá...”) e João do Vale com “Carcará”, dois clássicos em todos os sentidos. Xangai e Capinam fizeram juntos o belo “Qué qui tu tem, canário?”. Saindo do Nordeste, temos Chico Buarque com seu clássico “Sabiá” com Tom Jobim, além de “Passaredo”, um verdadeiro dicionário ornitológico marcado pelo refrão: “Bico calado / muito cuidado / o homem vem aí”). José Miguel Wisnik homenageou Gonzaga com seu híbrido “Anum Branco”. Saindo do Brasil, temos de cara os Beatles e a irretocável “Blackbird” de Paul MacCartney (“Blackbird singing in the dead of night, / take these broken wings and learn to fly...”). Todo mundo gosta de pássaro, bichinho que canta e que parece tão livre! Daí que compositores e cantores gostem de usá-lo como símbolo do que são, ou do que gostariam de ser.
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