quarta-feira, 3 de junho de 2009

1067) “Fuga de Nova York” (17.8.2006)



Peguei para rever o DVD deste filme de John Carpenter, do qual eu tinha uma vaga lembrança, pois vi somente na época do lançamento. Descobri agora que o filme é de 1981 e portanto está completando 25 anos, já saiu DVD-duplo comemorativo, e todas essas bugigangas com que o cinema americano ressuscita seus mortos e os bota para trabalhar de novo. Para um morto, Fuga de Nova York goza de boa saúde. Claro que não é um grande filme. E meramente como filme de ação parece uma produção da Disney, comparado com a brutalidade física e a crueldade mental dos filmes contemporâneos. É cheio de clichês, mas são clichês de uma época em que o clichê ainda provocava um sorriso de reencontro, e não uma careta de saturação.

No filme, a ilha de Manhattan foi transformada em prisão e cercada por muros. O avião do presidente dos EUA cai lá dentro, ele é sequestrado pelos presos, e cabe a um herói-bandido entrar ali e resgatar o figurão em menos de 24 horas. Dizem os adeptos do video-game que vários games se inspiraram neste filme, principalmente Metal Gear: Solid Snake, onde até o protagonista é copiado de Snake Plissken, o personagem aqui interpretado por Kurt Russell. O feedback recíproco entre indústria de filmes e indústria de games pode ter aqui um ótimo ponto de partida para um estudo. Os elementos básicos de um bom videogame de ação estão todos presentes. Uma missão suicida. A contagem regressiva com um limite mortal. Protagonista executando façanhas acrobáticas e tendo que improvisar estratégias para enfrentar os inimigos. Uma luta de ringue. Uma perseguição de carro por terreno minado. E assim por diante. Palpita-me que muitos rapazes que inventaram os games dos anos 1990 viram este filme quando adolescentes.

E o filme tem uma curiosa simbologia. Manhattan cercada de muros, helicópteros, arames farpados, como se fosse um Muro de Berlim ou a prisão de terroristas em Guantanamo, me parece uma poderosa metáfora para a má consciência dos norte-americanos. Uma reversão simbólica radical, expressa nas tomadas noturnas com a silhueta dos arranha-céus às escuras, mesmo habitados por milhões de presidiários. Esta ameaça é reforçada pela existência paralela dos “Crazies”, espécie de zumbis que habitam os esgotos e surgem pelos bueiros (o que conecta o filme com outro gênero florescente e muito apreciado pelos jovens: o filme de zumbis).


Manhattan se torna um “espaço interdito” como a mansão dos Nobile no Anjo Exterminador de Buñuel. Para os EUA é como a perda do próprio rosto (Vanilla Sky). É a criação, no seu próprio centro de poder, de um buraco-negro capaz de sugar para dentro de si o Ego (=o Presidente), que precisa ser resgatado por um filho bastardo do Bem com o Mal, híbrido de herói militar e criminoso condenado. O típico herói do filme de ação: desprezado e temido pelas autoridades (seus superiores) que o manipulam, odiado e respeitado pelos bandidos (seus iguais) que lhe cabe combater.

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