A rigor, esta coluna deveria intitular-se “Cagado e cuspido”. Mas achei que podia ofender os olhos de um leitor casual. Afinal de contas, uma manchete de jornal ou título de coluna é como a fachada de uma casa: visível a qualquer transeunte que passe e dê uma olhada.
Se a gente quiser usar palavras mais polêmicas, melhor guardá-las para aqui, para a privacidade do corpo do texto, que é como o interior da casa, onde só entra quem é convidado. Sendo assim, caro leitor, puxe uma cadeira e vamos examinar o assunto.
Você já deve ter ouvido esta expressão: “Fulano é a cara do tio dele, cagado e cuspido!” Eu tinha crises de riso na infância toda vez que escutava isto, porque sou bom visualizador, só que não visualizava a semelhança, e sim o sujeito coberto das respectivas substâncias.
Um dia alguém (meu pai ou minha irmã Clotilde, grandes pontificadores sobre questões deste tipo) me explicou que esta era uma corruptela de uma expressão mais respeitável: “encarnado e esculpido”.
Quando um cara parecia muito com outro, portanto, era como se fosse este outro “encarnado” (ou seja, corporificado em carne) e “esculpido” (representado numa estátua à sua imagem e semelhança).
Não passou muito tempo e esta versão surgiu numa edição melhorada. É impressionante como as pessoas acabam encontrando sempre uma maneira de melhorar uma história já existente.
Esta versão ponto-um dizia que a expressão era na verdade: “em Carrara esculpido”, ou seja, esculpido em mármore de Carrara, aquela ilha italiana que produz o melhor mármore do mundo (e que a esta altura deve estar “dessa finura”, de tanto que já extraíram o precioso mineral).
Então, se eu disser que George W. Bush é Ronald Golias “em Carrara esculpido”, não estou celebrando a beleza apolínea de um ou de outro, mas apenas indicando o quanto se parecem.
Ocorre, amigos, que em inglês existe uma expressão parecida, e que tem exatamente o mesmo significado: “Fulano is the spit and image of Sicrano”, ou “Fulano is the spitting image of Sicrano”. “Spit” é cuspe, e aí eu quero saber de onde veio o nosso “cuspido”, se foi do “spit” inglês ou do nosso próprio “esculpido”. É muita coincidência, não é mesmo?
Eu tenho pra mim que essas explicações todas são invenções de jornalistas sem assunto, portanto vou inventar mais uma. Entre os antigos romanos, quando se fazia uma estátua representando uma pessoa, e a semelhança era muito grande, era costume que o retratado umedecesse com sua própria saliva a testa da estátua, estabelecendo com ela um laço de “magia simpática”, para que nada de mal lhe adviesse. Daí dizer-se que Fulano é “encarnado e cuspido” a imagem de outro.
É fraquinha, não é mesmo? Não importa. É assim que surge a maioria dessas explicações: improvisadas em-cima-da-perna, fazendo um mínimo de sentido, apenas o suficiente para serem passadas adiante. Podem passar esta; é de graça. Anotem a data, e venham me dizer daqui a cem anos.
3 comentários:
Muito boa. (risos)
Nunca ouvi "cagado e esculpido", conheço "escarrado e cuspido". Mas gostei da coincidência no inglês. Dessa eu não sabia, nem da saliva na estátua. Essa expressão tem mais história do que se imagina.
Valeu, muito obrigada. Só por satisfação em buscar e obter melhorar meu aprendizado fica aqui este exótico gosto de esculpir polpa de frutas como por exemplo na América clima tropical produz o melhor design em melão, melancia e outros (as) estes cortes são parecido. Só pra lembrar as frutas são parecidas com o clima local.
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