Para alguns, é uma praga que vem deteriorando o mundo artístico há quase um século. Para outros, um terreno que se abre, cheio de possibilidades fascinantes.
Parece que estamos numa época de transição em que a técnica, na criação de uma obra de arte, parece recuar para segundo plano, e a idéia, o conceito, torna-se aquele elemento sem o qual nada mais tem sentido.
Os exemplos mais evidentes são nas artes plásticas, e a maioria das pessoas bota a culpa em Marcel Duchamp, que pegou um urinol de louça de um banheiro público e o colocou numa exposição com o título “Fonte”.
Aí não parou mais.
Uma artista expôs na Bienal centenas de cinzeiros furtados de hotéis e restaurantes.
Outro artista expôs dentro de uma redoma a carcaça de um bicho, que foi apodrecendo aos poucos durante as semanas em que ficou exposta.
Outro distribuiu saquinhos de plástico lacrados; eles foram cheios com “ar da montanha”, e ao abri-los o público recebia (conceitualmente) um pouco desse ar. E por aí vai.
Na literatura, já dei alguns exemplos aqui: um conto cujas palavras foram individualmente tatuadas na pele de centenas de participantes, um romance que consta apenas de sinais gráficos, etc.
Na música clássica, tem aquela história do concerto que vai durar 600 anos ou da música que consta apenas de silêncio, por obra e graça do imperturbável John Cage.
No cinema, tem aqueles filmes tipo Andy Warhol: Sleep, câmara parada mostrando durante 8 horas, sem cortes, um cara dormindo; Empire, câmara parada mostrando sem cortes, durante horas, o Empire State Building. E por aí vai.
Tenho uma teoria. Estas formas de arte são o derradeiro gesto de uma burguesia intelectualizada em busca de um campo de batalha onde a única arma seja aquela que ela mais domina: a idéia pura, o jogo de conceitos, o refinado xadrez intelectual de quem tem base acadêmica e filosófica, de quem tem acesso às teorias psicanalíticas, semióticas, estruturalistas, pós-modernas, o escambau.
De repente, saber pintar com pincéis e tinta-a-óleo, ou saber técnicas de água-forte ou litogravura, é coisa para meros artesãos. Saber contar uma história, desenvolver personagens... o mercado está cheio de Writer’s Guides ensinando isto. Escola de música? Qualquer joão-ninguém hoje em dia tem acesso aos segredos da orquestração, do contraponto.
Ironicamente, os pretendentes-a-artista muito pobres não sentem atração pela Arte Conceitual. Eles bem que poderiam enfiar as mãos nos seus bolsos eternamente vazios e danar-se a produzir “ready-mades” ou instalações invisíveis. Mas não, quanto mais pobres mais querem meter a mão na massa, manipular materialidades, moldar substâncias e formas, domesticar instrumentos.
E do outro lado os artistas da “crème de la crème” se refugiam, não numa torre de marfim, mas na torre imaterial, virtual, holográfica, da Arte Conceitual, onde a relação artista/público é como uma relação sexual por torpedo-no-celular ou uma luta de boxe por email.
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